Os discípulos de Emaús e a simbologia que completa

“Fica conosco Senhor, pois já é tarde a noite se aproxima”[1], foi o que disseram os dois discípulos ao Senhor que, mesmo sem o ainda ter reconhecido, estavam com o coração confortado pelas palavras daquele misterioso viajante.

O coração humano sempre deseja algo que ainda não tem; e quando o tem, desejaria não ter para sentir novamente o prazer do encontro com aquilo que procurava. A narrativa dos discípulos de Emaús do Evangelho de São Lucas se apresenta em sua beleza por este motivo: mesmo não sabendo que o Senhor Jesus ali estava, eles o sentiam por meio da simbologia de suas palavras até culminar no gesto principal e símbolo primevo da liturgia cristã: a fração do pão.

Em a Fenomenologia do Espírito, Hegel apresenta uma certa conceituação de simbologia quando, na análise da consciência-de-si de um indivíduo que tenta suprassumir o seu-ser-Outro, tenta absorver aquilo que o outro ser é em sua essência independente através da linguagem e da simbolização.[2] Ora, quando aqueles dois discípulos se encontram perdidos, em itinerância (para Emaús), o próprio autor da simbolização eucarística aparece e com eles caminha. Portanto, se o símbolo não está presente naquele instante, é porque ali não se faz imediatamente necessário. Deste modo, os discípulos encontram a essência do Outro (neste caso o Cristo), na simbolização do partir o pão.

Todo símbolo se constitui um sinal, mas nem todo sinal se apresenta como símbolo. O símbolo é a espécie e o sinal o modo sui-generis. Para que este último seja símbolo ele tem que estar no lugar de outro. Além disso, o símbolo é um meio de acesso às realidades pessoais, misteriosas e inacessíveis (aquelas que também podem ser transcendentes) a uma observação direta e imediata. Por isso é que a Eucaristia e a Fração do Pão é o gênero do ato de amor da entrega de Cristo.

É por isto que Santo Agostinho, no segundo capítulo da Doutrina Cristã nos revela sua concepção sobre o signum (símbolo/ sinal): “O sinal é, portanto, toda coisa que, além da impressão que produz em nossos sentidos (praeter speciem quam ingerit sensibus) faz com que venha ao pensamento outra ideia distinta (aliud aliquid ex se faciens in cogitationem venire).”[3]

Não obstante, foi por esta forma indireta que eles o reconheceram: quando o Senhor repetiu o gesto que Ele mesmo mandara praticar e constantemente atualizar; o símbolo se torna realidade. E pelo motivo mesmo de lhes terem sido abertos os olhos, é que eles não enxergavam mais visivelmente aquele cuja morte não tinha mais poder: só lhes restou o símbolo da presença eucarística do Mestre. Assim acontece com a Igreja do Cristo viajante e andarilho: a constante atualização do símbolo eucarístico é que mantém acessa a certeza de que ele cumpre a sua promessa de estar presente até o fim dos tempos.[4]

[1] Cf. Lc 24, 29.

[2] HEGEL, G. W. Friedrich. Fenomenologia do espírito. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

[3] AGOSTINO, Santo. De la doctrina Cristiana. In: Obras de San Agustín, Tomo XV. Madri: Biblioteca de autores cristianos, 1957.

[4] Cf. Mt 28,20.

Autor: Jon Eslen Amorim da Silva é estudante do 3º ano do Curso de Filosofia da FASBAM e religioso da Sociedade do Apostolado Católico – Padres e Irmãos Palotinos.

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