Por que a Virgem Maria é retratada na iconografia segurando um fuso nas mãos?

O ato de tecer e fiar, atividades tradicionalmente associadas às mulheres e tidas como atributos da “boa esposa”, é mencionado diversas vezes no Antigo Testamento: “Todas as mulheres habilidosas fiaram com as suas próprias mãos e trouxeram seu trabalho: púrpura violeta e escarlate, carmesim e linho fino…” (Ex 35,25).

A representação da Virgem Maria com um fuso e fio em suas mãos é comum em ícones da Anunciação. Essa abordagem de retratar a entrega das boas notícias remonta aos primeiros tempos do cristianismo. Por exemplo, em um relevo do sarcófago de Ravena do século V, o arcanjo Gabriel aparece para a Virgem Maria enquanto ela está sentada com um fuso. Na arquitrave da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, Maria está sentada em um trono com um fuso púrpura e uma cesta aos seus pés. A representação mais antiga da Anunciação na Ucrânia, nos pilares do altar da Catedral de Santa Sofia em Kyiv, também mostra a Virgem Maria de pé no momento da anunciação, segurando uma roca e um fuso.

Mas por que ela é representada com um fuso? A resposta está na tradição de representar Maria envolvida em trabalhos manuais, influenciada pelo apócrifo “Protoevangelho de Tiago”. Esse texto faz parte da Tradição da Igreja e não contradiz os Evangelhos. De acordo com essa fonte, Maria foi escolhida por sorteio para fiar a púrpura para o véu do Templo de Jerusalém.

O Anjo do Senhor visitou a Virgem Maria enquanto ela cumpria essa importante missão. No entanto, a representação do fuso e da fiação não é apenas um detalhe biográfico, destacando que Maria era uma jovem habilidosa e piedosa. É uma representação da Encarnação do Verbo de Deus. Essa ideia é expressa de maneira eloquente e orante no Grande Cânon de Santo André de Creta: “Como da seda escarlate, ó Imaculada, a carne do Emanuel foi tecida dentro de teu ventre”. Com seu próprio sangue, a Mãe de Deus teceu e vestiu o Divino Infante. Essa concepção é claramente visível no ícone da Anunciação, datado do séc. XII e chamado de Ustug, atualmente na Galeria Tretyakov.Nele, Cristo Emanuel é representado no peito da Virgem Maria, e o fio púrpura em suas mãos parece passar por meio dele. A linha para o futuro véu do templo pode também ser interpretada como a conexão entre o celestial e o terreno. 

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