Filosofia do Direito Natural é o novo curso de pós-graduação da FASBAM

Os movimentos doutrinários em direção ao resgate da vinculação entre a moral e o direito assumiram, no pós-guerra, formas bastante variadas. Alexy classifica-os todos sob o rótulo de “não positivistas”, em oposição às teorias positivistas, filiadas à tese da separação entre o direito e a moral. Mesmo após uma discussão de mais de dois milênios, essas duas posições fundamentais continuam se contrapondo.[1]

A primeira reação “não positivista” ao positivismo jurídico dominante nos anos que se seguiram ao término da Segunda Guerra Mundial veio através do jusnaturalismo. Nesse período, foram publicados inúmeros artigos e ensaios sobre direito natural, particularmente na Alemanha e na Áustria. Todavia, já no final da década de 50 do século XX, o interesse nas teorias jusnaturalistas se arrefeceu.[2] Friedrich Müller, constatando esse fenômeno, afirmou, em tom de vaticínio, que o tão propalado “eterno retorno do direito natural” restringiu-se “a um fugaz lampejo, que não deixou nenhuma impressão digna de nota”.[3]

Estamos vivenciando, inclusive no Brasil, um novo retorno do direito natural. Diversos institutos e centros de estudos jusnaturalistas vêm surgindo pelo país. Contudo, na academia, com raras exceções, o direito natural continua sendo alvo de inúmeras incompreensões. Nas poucas ocasiões em que é discutido em sala de aula por professores de Direito, a sua abordagem é, quase sempre, fantasiosa, para não dizer caricata.

É claro, este não é um “privilégio” da posição jusnaturalista. O positivismo jurídico também é frequentemente objeto de descrições falaciosas. John Gardner, em um texto conhecido, pergunta ao leitor: “Será que os membros de alguma tradição de pensamento já tiveram seus compromissos filosóficos reais tão abrangentemente maltratados, distorcidos, criticados com base em palpite, cruelmente psicanalisados, e absurdamente reinventados por fofocas e boatos desinformados, como os juspositivistas?”.[4] A indignação de Gardner é perfeitamente compreensível; mas a resposta à sua indagação é simplesmente sim. Os juspositivistas têm sorte: há bem mais que “5 mitos e meio” sobre a teoria da lei natural circulando nos meios acadêmicos.

Os críticos do direito natural sugerem que o seu “eterno retorno” estaria associado quase sempre a acontecimentos históricos marcados por um acentuado grau de degradação da dignidade humana, ocasionadores de profunda e generalizada comoção, asseverando que o interesse pelas teorias jusnaturalistas se dissiparia com o decorrer dos anos à medida que o impacto daqueles acontecimentos fosse se esfumaçando na mente e nos corações das pessoas. Concebem-no, pois, como um modismo efêmero – um “fugaz lampejo”, nas palavras já citadas de Müller. Inebriados pelo nominalismo circundante, não se dão conta de que a dicotomia entre direito natural e direito positivo nada mais é do que um reflexo da relação existente entre physis e nomos, ou entre o justo por natureza e o justo convencional de que fala Aristóteles, a qual acompanha a filosofia desde os seus primórdios[5], haja vista que tais conceitos universais expressam a própria estrutura do mundo real, não se tratando de meros nomes desprovidos de lastro na realidade, ou de criações mentais subjetivas passíveis de serem “superadas” ou “suprimidas”. O seu alijamento das discussões significa tão somente que o mainstream jurídico deixou de lhes dar a devida atenção, e não que as realidades que lhes são subjacentes desapareceram.

Com o objetivo de desfazer um a um todos esses mitos, e, no campo do Direito, formar um corpo de pesquisadores e de profissionais aptos a refletir criticamente acerca das correntes jurídicas positivistas e pós-positivistas, que condicionam o debate acadêmico brasileiro, é criada a Pós-Graduação em Filosofia do Direito Natural da FASBAM.          

Mas não só. A teoria da lei natural é dotada de considerável interdisciplinaridade, perfazendo interface com a Ética, a Antropologia, a Epistemologia, a Psicologia, a Metafisica, o Direito, a Pedagogia, a Política e a própria Teologia. Isso faz com que o seu conhecimento seja relevante para estudiosos das mais variadas áreas do saber, tais como juristas, filósofos, psicólogos, médicos, pedadogos, sociólogos, teólogos e tantos outros, os quais serão convidados a integrá-la, com as bases adquiridas no curso, ao seu campo de atuação profissional.

Ademais, não se pode olvidar que, enquanto instituição de ensino superior ligada à Igreja Católica, a FASBAM, ao implementar um curso desse jaez, dá um passo importante no sentido de atender às exortações consubstanciadas em diversos documentos Magisteriais.

Veja-se, por exemplo, o estudo produzido pela Comissão Teológica Internacional em 2008, que resultou no texto intitulado “Em busca de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural”.[6] As perguntas formuladas já no início desse documento pautarão o curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito Natural da FASBAM. São elas: “Há valores morais objetivos capazes de unir os homens e de fazê-los procurar paz e felicidade? Quais são eles? Como discerni-los? Como colocá-los em prática na vida das pessoas e das comunidades?”[7]    

Conscientes dos contextos atuais da questão, nós queremos, neste documento, convidar a todos os que se perguntam sobre os fundamentos últimos da ética, assim como da ordem jurídica e política, a considerar os recursos que favorecem uma apresentação renovada da doutrina da lei natural. Esta afirma, em substância, que as pessoas e as comunidades humanas são capazes, à luz da razão, de discernir as orientações fundamentais de um agir moral conforme a própria natureza do sujeito humano e de exprimi-las de modo normativo sob a forma de preceitos ou mandamentos. Esses preceitos fundamentais, objetivos e universais, têm a vocação de fundamentar e inspirar o conjunto de determinações morais, jurídicas e políticas, que regulem a vida dos homens e das sociedades. Eles constituem uma instância crítica permanente e garantem a dignidade da pessoa humana diante das flutuações das ideologias. No curso da história, na elaboração de sua própria tradição ética, a comunidade cristã, guiada pelo Espírito de Jesus Cristo e em diálogo crítico com as tradições de sabedoria que tem encontrado, assume, purifica e desenvolve esse ensinamento sobre a lei natural como norma ética fundamental. Mas o cristianismo não tem o monopólio da lei natural. Com efeito, fundada sobre a razão comum a todas as pessoas humanas, a lei natural é a base da colaboração entre todos os homens de boa vontade, sejam quais forem as suas convicções religiosas.[8]

Na Encíclica Veritatis Splendor, o Papa João Paulo II também aborda o tema da lei natural com profundidade:

A Igreja referiu-se frequentemente à doutrina tomista da lei natural, assumindo-a no próprio ensinamento moral. Assim, o meu venerado predecessor Leão XIII sublinhou a essencial subordinação da razão e da lei humana à Sabedoria de Deus e à Sua lei. Depois de dizer que “a lei natural está escrita e esculpida no coração de todos e de cada um dos homens, visto que esta não é mais do que a mesma razão humana enquanto nos ordena fazer o bem e intima a não pecar”, Leão XIII remete para a “razão mais elevada” do divino Legislador: “Mas esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a voz e a intérprete de uma razão mais alta, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem estar submetidos”. De fato, a força da lei reside na sua autoridade de impor deveres, conferir direitos e aplicar a sanção a certos comportamentos: “Ora, nada disso poderia existir no homem, se fosse ele mesmo a estipular, como legislador supremo, a norma das suas ações”. E conclui: “Daí decorre que a lei natural é a mesma lei eterna, inscrita nos seres dotados de razão, que os inclina para o acto e o fim que lhes convém; ela é a própria razão eterna do Criador e governador do universo”.[9]

O fato de estarmos aqui demarcando a importância da teoria da lei natural para o Magistério da Igreja Católica não significa que o curso não abordará as demais correntes  jusnaturalistas, inclusive aquelas que chegam a negar a conexão mesma entre a lei natural a lei eterna, a exemplo do direito natural racionalista moderno após Grotius, cujo pensamento é considerado o ponto de inflexão do jusnaturalismo clássico para o moderno, assinalando a transição entre as concepções metafísica e racionalista de lei natural. A despeito de possuir raízes profundamente fincadas na tradição anterior, Grotius cogitou a validade do direito natural ainda que fosse admitida a hipótese da inexistência de Deus, ou que “os assuntos humanos não são objeto de Seus cuidados” – a chamada “hipótese ímpia”.

No entanto, jamais se pode perder de vista, em especial em um curso a ser ministrado por uma instituição ligada à Igreja Católica, a conexão da lei natural com a lei eterna e, por conseguinte, com o próprio Deus, cuja expressão alcança o ápice de elaboração na doutrina de Santo Tomás de Aquino, considerado o autor central da tradição da lei natural.

O objetivo do curso é, pois, oferecer aos alunos um panorama geral e completo da doutrina da lei natural, desde a Antiguidade Clássica (Antigona de Sófocles, Platão, Aristóteles etc.), passando pela Patristica, Escolástica – tendo como ponto alto o pensamento de Santo Tomás de Aquino –, pelo direito natural racionalista moderno, por Kant (filósofo que, devido às suas peculiaridades, merece um estudo à parte), até chegar ao ressurgimento do jusnaturalismo promovido por German Grisez, John Finnis e Robert George, autores da assim chamada New Natural Law Theory, e as intensas discussões que há em torno dessa escola de pensamento na contemporaneidade, dentro e fora dos círculos tomistas.

Serão abordadas, ainda, as críticas feitas à teoria da lei natural pelos mais diversos autores, no campo da Teologia (e.g., é possível falar-se em uma teoria da lei natural de bases protestantes, ou a moralidade, sob a perspectiva reformista, teria fundamentação exclusivamente heterônoma?), da Ética (há diversas correntes metaéticas, como o amoralismo, que simplesmente negam a possibilidade de apreensão racional do bem, objeto precípuo da teoria da lei natural), do Direito (aqui trataremos da histórica discussão entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico, adentrando também a análise das correntes pós-positivistas, comparando-as com o jusnaturalismo).

Saiba mais sobre o curso clicando no botão abaixo!

Clique aqui!

[1]    ALEXY, R. Conceito e Validade do Direito. Trad. de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2011, pp. 3-4.

[2]    MESSNER, J. Postwar Natural Law Revival and Its Outcome. Natural Law Forum, Paper 41, p. 101.

[3]    MÜLLER, F. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. 3ª ed. Trad. Peter Nauman. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 155.

[4]    GARDNER, J. Legal Positivism: 5 ½ myths. The American Journal of Jurisprudence, Volume 46, Issue 1, 2001, p. 202.

[5]    HERVADA, J. Síntesis de Historia de la Ciencia del Derecho Natural. Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2007, p. 14.

[6]    https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_con_cfaith_doc_20090520_legge-naturale_po.html#*

[7]    Ibid.

[8]    Ibid.

[9]    https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo