Como são feitos os ícones bizantinos?

Com o termo Ícone, do grego eikón (imagem), no contexto da cultura bizantina e eslava, identifica-se uma particular representação sacra, pintada sobre madeira, utilizando uma técnica pictórica específica (têmpera de gema de ovo), transmitida ao longo dos séculos, cujos artistas obedecem a cânones pré-estabelecidos. Nascida no contexto da espiritualidade da Igreja Cristã Oriental, a iconografia tem as suas raízes nos Evangelhos, e encontra na liturgia e na oração a sua razão de ser, abrangendo uma função litúrgico-teológica e doutrinal de primeira importância, cuja finalidade principal é aquela de testemunhar o Mistério da Encarnação de Cristo. Fazer um ícone envolve toda uma série de fases e etapas, transmitidas ao longo dos séculos, de acordo com um certo cânone iconográfico, que todo “iconógrafo” deve necessariamente conhecer.

A descrição dessa tradição está relatada em um manuscrito intitulado “Hermenêutica da Pintura” escrito no século XVII pelo monge Dionísio de Furna, que viveu na ermida de Esphigmenon no Monte Athos. A obra contém documentação detalhada sobre o ensino da arte pictórica fundado pelo monge Manuel Panselinos, um dos principais expoentes da escola macedônia do século XIII. Os ícones mais antigos foram executados em tábuas de madeira com a técnica da encáustica, os posteriores com “têmpera de ovo”, prática ainda hoje utilizada. A fase inicial do trabalho consiste na escolha da madeira que deve ser maciça, macia e compacta, adequada para oferecer um suporte sólido à pintura. Entre as muitas variedades de madeira, tília, larício, abeto e álamo são os preferidos. Porém, qualquer tipo de madeira serve, desde que bem seca, pouco resinosa e compacta, para não entortar a tábua. Com o tempo, de fato, a madeira tende a arquear devido à mudança de umidade ou à má secagem. Este inconveniente é prevenido pelo calço no verso da tábua, por meio de ranhuras previamente preparadas, duas cunhas de madeira dura (faia), em forma de “rabo de andorinha”, posicionadas perpendicularmente ao veio da madeira, de forma a exercerem uma tração que se opõe à superfície ao pintar, conferindo à tábua uma elasticidade que a impede de arquear. Outro procedimento para neutralizar a torção da prancha é colocar duas tiras de madeira dura a serem inseridas ao longo da espessura das duas extremidades, na parte superior e inferior. 

A próxima fase consiste em fazer uma cavidade de alguns milímetros na parte central da tábua usando um cinzel ou um pantógrafo. A reentrância denominada “berço” ou “arca”, delimita a área reservada à pintura, que deve ser lisa e de profundidade regular (entre 2 e 5 milímetros). A cavidade cria uma borda lateral na placa, de 3 a 7 centímetros de largura, que funciona como uma “moldura natural”.

A moldura torna-se parte integrante do ícone, cuja função, além de delimitar a pintura, é recolher inscrições ou orações ou mesmo representações cenográficas da vida da personagem retratada. Este apresenta simbolicamente a distância entre o plano terreno e o plano divino delineado pelo “berço” que guarda a imagem representada como se fosse uma caixa. Uma vez preparada a tábua, passamos à fase de enquadramento da superfície a pintar. Consiste em colar uma tela fina (linho ou algodão) sobre a superfície a ser pintada. Após a colagem da tela à tábua, procede-se à “imprimatura”, que consiste na preparação de uma “camada de base”, de forma a tornar a superfície a ser pintada homogénea e bem alisada.

Na técnica do ícone, esse processo é chamado de “levkas ” (branco). O “levkas” é um composto de argila branca, constituído por carbonato de cálcio que, dependendo da sua origem, toma diferentes nomes: Bianco di Meudon, Bianco di Spagna ou Bianco di Bologna. A preparação, misturada com um colante (cola de coelho) constitui a base para a preparação de várias técnicas pictóricas e, entre estas, a “têmpera de gema de ovo”. O composto misturado em doses bem estabelecidas é espalhado a quente com pincel ou espátula em várias camadas sucessivas a intervalos regulares, de modo que cada camada fique completamente seca. No mercado existem preparações prontas a usar para a aplicação da camada base. A mistura é espalhada com uma espátula em várias camadas (quatro a seis) sobre a superfície a ser tratada, para que a preparação penetre bem na porosidade da tela.

Quando as várias camadas de gesso estiverem completamente secas, procede-se à redução das imperfeições lixando a superfície com lixa fina, deixando a superfície lisa e homogénea. A tábua está pronta para ser desenhada e posteriormente pintada. O desenho tem papel preponderante na elaboração de um ícone. É feito com base em figuras geométricas simples (triângulo, quadrado ou círculo) que se cruzam com base em cânones ditados ao longo dos séculos pelos iconógrafos. Começamos a desenhar na tábua relatando fielmente a figura escolhida por meio do uso de papel vegetal. Posteriormente, cada traço do desenho será gravado com lapiseira com acréscimo de ponta de prego, para não perder, após a sobreposição da cor, as linhas principais do desenho, em particular as que vão ser utilizadas para dourar. O desenho caracteriza-se ainda por um elemento específico de primordial importância, nomeadamente a perspectiva que, no caso do ícone, se designa por “perspectiva inversa”. A douração de um ícone consiste em cobrir as partes a serem decoradas com folhas de ouro.

É uma técnica que requer equipamentos especiais e considerável habilidade que só pode ser adquirida após longa prática. O sistema de douramento mais antigo é o chamado “dourado a guache”, usado pelos monges bizantinos durante a Idade Média para dourar pinturas preciosas. A fase preparatória é feita espalhando-se uma mistura chamada “bolo”, um composto de argila adicionado à cola, sobre o qual a folha de ouro será aplicada nas áreas destinadas a dourar.

Terminada a douração, procede-se ao polimento do ouro que se faz com o uso de ferramentas especiais (polidores). De fácil aplicação é dourar com ouro líquido puro ou pó semelhante ao ouro e em diferentes tonalidades. Dentre as principais ferramentas do dourador destacamos: a “almofada de douração”, que representa a superfície de trabalho onde a folha de ouro é estendida e cortada, consistindo em uma placa acolchoada forrada com camurça; a “faca de douração”, especificamente concebida para cortar folhas de ouro; o “pincel de douração”, de preferência feito de pelos macios de esquilo ou de marta, utilizada para coletar e colocar a folha de ouro. Outra ferramenta importante é representada pelos “polidores de ágata”. São pedras de ágata montadas com um anel de metal em um cabo de madeira torneado que permitem que a folha de ouro seja alisada e polida. Delimitadas as partes cobertas com a folha de ouro, passamos à fase pictórica que, segundo os cânones iconográficos, é realizada com “têmpera de gema de ovo”.

Trata-se de uma técnica milenar que consiste na utilização de pigmentos coloridos diluídos em gema de ovo. O composto obtido é então diluído com água no momento do uso, para formar uma pasta espessa e ao mesmo tempo fluida. Na fase pictórica, espalham-se sobre o painel camadas de cor uniforme com tonalidades escuras, para depois prosseguir, com a adição de várias camadas sobrepostas (de cinco a sete), com tonalidades cada vez mais claras e finalizando o trabalho com pinceladas curtas e luminosas obtidas com o uso de ocre claro e branco de titânio. Hoje são utilizadas cores de têmpera pré-preparadas que facilitam muito a elaboração de um ícone, às vezes até com o uso de técnicas mistas como a sobreposição de óleo na têmpera, prática amplamente utilizada pelos mestres do Renascimento.

A fase final do ícone consiste no acabamento (envernizamento) que se dá por meio de produtos (goma-laca) que, além de ajudar a dar um toque especial à pintura, também têm função protetora. Na tradição antiga, a pintura era feita com “olifa”, uma espécie de mistura gordurosa à base de óleo de linhaça fervido ao qual se adicionava sal de cobalto e óxido de chumbo. Essa técnica de acabamento deu a muitos ícones uma aparência escura, pois o composto à base de óleo de linhaça fervido tende a escurecer com o passar dos anos. 

Fonte: VERDINI, M. L’icona di Maria. Taranto: ARS SACRA GIOVERDI, 2022. Disponível em: https://www.arsacragioverdi.com/tecniche.html#icona. Acesso em: 24 jul. 2023.

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