História da Filosofia Contemporânea I é a nova obra do Prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida publicada por FASBAMPRESS

História da filosofia contemporânea I integra a série de histórias do pensamento filosófico ocidental que a FASBAMPRESS se propôs publicar a partir de 2021. Do mesmo autor, e pela mesma editora, já vieram a lume: História da filosofia antiga, História da filosofia medieval e História da filosofia moderna. Com a História da filosofia contemporânea II, que se seguirá a esta obra, a série ficará completa, embora outros escritos poderão, direta ou indiretamente, concatenar-se aos anteriores, ampliando-os ou desdobrando as suas potencialidades. Efetivamente, a história da filosofia e a experiência da escrita se desenrolam segundo uma dinâmica de repetição dos mesmos valores que, paradoxalmente, não cessam de se superar e de se reinterpretar, mas na diferença e no querer-mais. A este propósito, convém lembrar o dito espirituoso de Darcy Ribeiro que, ao advertir seus leitores a respeito do caráter interminável da escrita, fez a seguinte ponderação: “Creio que nenhum livro se completa. O autor sempre pode continuar, por um tempo indefinido, como eu continuei com esse, ao alcance da mão, sem retomá-lo. O que ocorre é que a gente se cansa do livro, apenas isso, e nesse momento o dá por concluído. Não tenho muita certeza, mas suspeito que comigo é assim”.[1]

De fato, o que caracteriza essencialmente a marcha historial do pensamento é a sua sempre recomeçada simbolização, que se faz através de uma cadeia de efeitos de significantes que, por isto mesmo, não param de reenviar uns aos outros, de se incluir uns nos outros e, melhor ainda, de se entrelaçar uns pelos outros. Trata-se daquele movimento que Lacan designa pela expressão: a incompletude do simbólico do real. Mas se o signo se apresenta como uma estrutura da palavra composta de um significante (imagem acústica ou visual) e de um significado (imagem mental, ideia ou conceito), a significação, por sua vez, se desdobra como a capacidade que tem o signo de se significar indefinidamente em virtude das relações virtuais ou atuais que ele entretém com outros signos. Na verdade, essa reconstrução se repete in infinitum na medida – e somente na medida – em que o signo representa um objeto para um sujeito que, ao exprimir o desejo, cria uma hiância ou um desvio de sentido entre o nome e a coisa. Sendo, pois, esta coisa heterogênea ao pedido, o desejo tenta insaciavelmente apreendê-la, dela assenhorar-se e dela usufruir. Quanto ao registro do real, estamos diante de uma noção limite de um dado bruto da realidade que, resistente e recalcitrante à simbolização, se oferece, no entanto, à interpretação ou à reinterpretação da linguagem. Ora, o paradoxo do real consiste justamente em ser ele um obstáculo e, ao mesmo tempo, uma porta, uma ponte, uma passagem, um caminho e, consequentemente, uma simbolização para a falta implacável que se manifesta pelo desejo. Mas só existe simbolização lá onde há resistências a vencer e a ultrapassar ou, para dizê-lo lacanianamente, só há simbolização quando se introduz no saber, na palavra, no dito, ou no inter-dito, a suspensão do sentido.

Efetivamente, tanto para Freud quanto para Lacan, o ser humano sabe mais do que ele consegue expressar ou mais do que ele crê saber, porquanto o que está em jogo no próprio discurso é um saber inconsciente ou um saber de outra ordem que, literalmente, foi deslocado pela dinâmica da resistência e/ou do recalque. Para exprimi-lo de forma condensada e elíptica: o sujeito sabe, mas não sabe que sabe. Todavia, é na linguagem e pela linguagem que os ditos, os não-ditos e os inter-ditos inconscientes se insinuam, vêm à tona, se impõem e, possivelmente, se simbolizam. Assim, no sentido próprio do termo, o símbolo é um significante que se acha essencialmente ligado, de maneira metonímica ou metafórica, a um outro significante e, nesta condição, ele sempre representa um sujeito para outro sujeito, ou para outros sujeitos, que são considerados os lugares de onde pode vir, ou de onde se espera, o reconhecimento do desejo.

No que concerne especificamente a esta obra – História da filosofia contemporânea I –, eu tentei concentrar-me de maneira breve, sucinta e, na medida do possível, abrangente, sobre as principais correntes do pensamento que vincaram fundamentalmente o século XIX e a primeira metade do século XX. Simultaneamente, tentei apresentar, sob a forma de epítome, os dados biográficos e as ideias básicas dos filósofos que, mais destacadamente, caracterizaram aquelas correntes do pensamento. Efetivamente, quando se reflete sobre a preponderante influência filosófica que definitivamente marcou o século XIX, vêm imediatamente ao espírito os movimentos do romantismo alemão – do qual sobressaem as figuras de Hölderlin, Novalis, Schlegel e Schleiermacher –; do idealismo, também alemão – representado por Fichte, Schelling e Hegel –; do utilitarismo e do evolucionismo ingleses (Bentham e Darwin respectivamente); do positivismo francês (Comte) e do pensamento religioso que, aberta ou difusamente, direta ou indiretamente, suscitou as mais variadas reações no seio desses mesmos movimentos. Certo, com relação a Kierkegaard, a sua influência fora da Dinamarca só se fizera mais nitidamente sentir em meados do século XX. Elucidativo a este respeito é o testemunho do teólogo Paul Tillich que diz recordar-se com orgulho do tempo em que, tendo sido estudante na Universidade de Halle, tomou pela primeira vez conhecimento, nos anos 1905–1907, do pensamento do autor de Temor e tremor. Mas isto, acrescenta Tillich, só fora possível graças às traduções isoladas que havia efetuado um estudioso de Württemberg.[2] Não se deve, porém, esquecer que, independentemente de Kierkegaard, o pensamento religioso se impôs como um pano de fundo, transformado em diferentes modalidades, sobre todas aquelas expressões filosóficas, cujas origens imediatas remontam ao século XVIII e, mais precisamente, à filosofia da ilustração. Quanto ao idealismo alemão, nomeadamente aquele representado por Hegel, não se pode nele pensar sem, ao mesmo tempo, considerar as duas correntes que dele derivaram: a direita hegeliana e, sobretudo, a esquerda hegeliana, na qual se relevam os escritos de David Friedrich Strauss, de Bruno Bauer, de Arnold Ruge, de Max Stirner e, de modo particular, o pensamento de Ludwig Feuerbach, de Karl Marx e Friedrich Engels.

No que tange a Schopenhauer, a sua filosofia começou mais visivelmente a se difundir somente ao longo da segunda metade do século XIX, porquanto a sua obra prima, O mundo como vontade e representação, que fora publicada pela primeira vez em 1818, mas com a data oficial de 1819, teve de enfrentar um prolongado silêncio e um doloroso anonimato até finalmente alcançar a terceira edição em 1859, um ano antes de seu falecimento. No tocante ao seu discípulo mais importante, Nietzsche, é bem verdade que ele havia começado a gozar de uma certa notoriedade já na última década do século XIX, quando o filósofo soçobrava irremediavelmente na demência e numa paralisia progressiva. Mas foi sobretudo a partir do início do século seguinte que a sua influência começou realmente a se expandir e a se consolidar em praticamente todas as áreas do pensamento e da cultura em geral, na qual se incluem a literatura, a psicologia, a antropologia, a sociologia e a religião.

Importantes também foram o pragmatismo – movimento intelectual indissociável da mentalidade e do pensamento norte-americanos – e a fenomenologia, corrente filosófica característica da cultura e do modo de pensar europeus. Mais precisamente, a fenomenologia teve suas origens no final do século XVIII graças ao pensamento do matemático de expressão alemã, Johann Heinrich Lambert (1728–1777), que foi o primeiro a explicitamente assinalar um novo papel ao sistema do saber na obra intitulada: Neues Organon (1764). Este movimento foi retomado no final do século XIX e nos inícios do século XX, tendo como referências principais a filosofia e a obra de Edmund Husserl. Quanto ao pragmatismo, cuja difusão se deu nos Estados-Unidos entre o final do século XIX e o começo do século XX, ele teve entre os seus mais importantes representantes o lógico e linguista Charles Sanders Peirce, o pensador da religião William James e o educador John Dewey. Costuma-se, de resto, dar ênfase – como eu também o faço no final da Unidade 05 deste livro – a dois pensadores que, provenientes do século XIX, atravessaram inteiramente a primeira metade do século XX. Um deles foi o norte-americano John Dewey (1859–1952), que se notabilizou por ter elaborado, além de uma nova técnica pedagógica, a famosa teoria do “instrumentalismo pragmático”. O outro é Nicolai Hartmann (1882–1950), de origem étnica alemã, cuja concepção de base se encontra na chamada “ontologia crítica”.

Finalmente, convém avançar duas observações que poderão, talvez, ser importantes antes de se começar a leitura desta obra:

01) Embora as reflexões aqui desenvolvidas se tenham concentrado basicamente no âmbito do século XIX, elas não puderam evitar de fazer uma incursão, conquanto relativamente limitada, pela primeira metade do século XX. Isto considerado, a tarefa de explorar e ampliar as análises do pensamento do século XX será realizada – assim eu o espero – no próximo livro que, conforme eu anunciei no início desta apresentação, se intitulará: História da filosofia contemporânea II.

02) Como nas Histórias anteriores, também nesta História da filosofia contemporânea I eu procurei não sobrecarregar as suas notas de rodapé com informações adicionais, tentando, pois, na maioria dos casos, nelas fornecer tão-somente as referências bibliográficas indispensáveis. Procurei igualmente expor as principais ideias dos filósofos aqui estudados de maneira clara, acadêmica, sinóptica, evitando, deste modo, resvalar para temas demasiadamente específicos ou para uma terminologia que se revelaria sobremaneira abstrusa para um leitor não suficientemente familiarizado com a linguagem filosófica. Trata-se, portanto, como nos estudos anteriores, de uma descrição sumária e geral de uma parte da história da filosofia que poderá eventualmente servir de incentivo para uma ulterior ampliação e um maior aprofundamento de seus temas e de seus respectivos representantes.

[1] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006, p. 11.

[2] Cf. TILLICH, Paul. A History of Christian Thought: From Its Judaic and Hellenistic Origins to Existentialism. New York: A Touchstone Book, 1968, p. 458.

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