O espírito da Era Moderna e a era pré-crítica de Immanuel Kant

O presente artigo tem por objetivo destacar os valores e os fatos que conduziram a constituição da Era Moderna e o itinerário filosófico ético que influenciou o grande nome da modernidade, Immanuel Kant. O período moderno foi marcado pela transição do teocentrismo, oriundo da idade média, para o antropocentrismo e, na continuidade da história, o século XVIII, conhecido como “século das luzes” foi o apogeu da modernidade tanto na cultura quanto na filosofia. O filósofo alemão, agregou este espírito moderno e, a partir da autonomia da razão e com a herança das problemáticas vigentes, desenvolveu suas grandes críticas que estruturam o pensamento filosófico, dentre eles o problema ético.

Existem várias maneiras de compreender o momento da modernidade em suas dimensões histórico-geográficas e filosóficas. Ao se debruçar neste estudo, nota-se que na verificação do conceito de modernidade se apreende as mencionadas dimensões ao constatar que desde o século XIV o adjetivo “moderno” era utilizado pelos franceses para polêmicas religiosas e filosóficas acerca das novidades de ideias e descobertas e sobre a crítica das mudanças que, permeadas de paixões, desconsideravam a reflexão e rigor.[1]

Entre os séculos XIV e XV, surge as duas correntes aporéticas da via antinqua, que conservavam os debates dos universais de Tomás de Aquino e Scoto do século XIII, e os mordení, que intensificavam novos estudos em contraposição a via antiqua, estes se difundiram na universidade de Paris e em outras unidades da Europa. A chamada Idade Moderna contempla dois momentos históricos, compreendidos na tomada de Constantinopla em 1452 e a chegada dos europeus no Novo Mundo em 1492 e vai até a Revolução Francesa em 1789. Estes novos avanços e sínteses da humanidade, propiciaram expandir a extensão e potencial do homem no exercício do trabalho, relações de comércio e contato com outras correntes intelectuais, culturais e doutrinais.

O filósofo Lima Vaz, na coleção Escritos Filosóficos, com teor hegeliano, disserta a modernidade como período que “significa a reestruturação modal da representação do tempo, em que este passa a ser representado como sucessão de modos ou de atualidades, constituindo segmentos temporais privilegiados pela forma de Razão que neles exerce”[2]. Nesta perspectiva, a modernidade encarada filosoficamente se entrelaça na Idade Média Tardia, na época do Renascimento, nas estruturações de Descartes e Hobbes e no apogeu do século das Luzes (séc. XVIII) todas com suas próprias concepções, suas características, seus pressupostos e análises concordantes com suas categorias.

Na Europa no século XVIII, o cenário moral e teológico eram tendências de estudos que propiciaram o deísmo e a filosofia da ilustração que, segundo o filósofo Rogério Miranda de Almeida, ambas, apesar de não terem relações e debates diretos, marcaram o período mais rico da filosofia moderna no tocante a cultura e filosofia.[3]  O deísmo busca um entendimento de Deus não mais voltados a imaginação e especulação doutrinal impostas da religião, mas com o uso próprio da razão, assim acerta Almeida: “O deísmo tem como base doutrinal a crença religiosa na existência de Deus a partir de critérios e de fundamentos predominantemente racionais. Refutando toda forma de revelação, de autoridade divina e de culto, ele admite tão somente aqueles princípios religiosos e morais que o homem pode atingir com o auxílio da própria razão”[4]

Os deístas em geral demonstram suas explicações tendo como embasamento a natureza sensível e suas manifestações que aludem as leis, o ordenamento e a regulação do universo. O deísmo, entendido como termo, é escasso ao momento que ele passa a tender a uma explicação generalizada e a um ato de explicar a dimensão intelectual da religião do que uma união específica de doutrinas[5].

Diferente das primeiras considerações sobre o deísmo citadas, ao voltar aos seus princípios e fundamentos nota-se primícias que serão de grande valia para os filósofos do século das luzes que ao se debruçarem sobre as reflexões das compatibilidades sobre a ideia de Deus fizeram uso dos ditames puramente racionais com ênfase na religião natural e o entorno ético sob a concepção de tolerância.

A filosofia da ilustração conserva a primazia da razão, porém é útil analisar as mudanças que esta razão sofreu e sobretudo a grande transformação que, conforme afirma Almeida: “Depois de Descartes, e sobretudo graças a Locke, deslocou o seu eixo de indagações para outra direção, vale dizer, para a fonte do conhecimento. Tratava-se então de um redimensionamento que levava em consideração, além da questão propriamente epistemológica, uma problemática essencialmente ética e antropológica”[6]

Os ditames principais deste período consistem na autonomia da razão, defendida por Kant na carta O que é o esclarecimento[7], que atesta a saída do homem de sua minoridade e passar a assumir a sua maioridade do intelecto sem submissões. Outro destaque é na defesa da razão e liberdade com fundamento de um método educacional público que vise o esclarecimento e projeto promissor da humanidade. Nesta linha, se ensaia o jusnaturalismo que é consequência da reconceituação de natureza, esta se caracteriza pela vigência da lei natural que rompe com qualquer apelo a autoridades divinas ou transcendentes ao natural, a natureza é encarada numa perspectiva racional e universal que em último aspecto se dá na imanência.

As ideias de progresso e construção constituem um empenho deste período da filosofia, uma vez que o desejo de fazer uma nova era transformada pela ação livre do homem era disseminada para edificar um novo mundo. Neste sentido, a próxima característica lógica era o da crítica e rompimento com qualquer estilo de tradição corrente e rejeição das formas de dominação exercidas nos séculos anteriores.

Todo esse contexto sintetiza os diversos temas e novas concepções que a filosofia da ilustração elaborou e propriamente na Alemanha os temas mais tradicionais se mantiveram presentes mesmo com as influências científicas que eram mais atuantes nos países europeus mais próximos ao ocidente. A filosofia alemã, deste período, tem destaque principalmente em Immanuel Kant e suas críticas que estruturaram as problemáticas herdadas pelas correntes modernas anteriores. O filósofo Henrique Cláudio de Lima Vaz evoca que “tratava-se de pôr fim a uma longa errância do pensamento e de recomeçar, sob os auspícios de uma verdade assim desvelada, a tarefa, entre todas necessária, da reflexão filosófica”[8].

Kant se vê na era pré-crítica sobre uma sistematização teórica marcada pelo imperativo da solução das aporias que se consolidavam no molde racionalista da filosofia, quer ao modo leibnizo-wolffiana ou no modo empirista[9]. O filósofo de Königsberg recebe também a herança das aporias platônicas e aristotélicas que são veladas no pensamento sobre a razão pura e a razão prática. Nesta corrente, o problema ético de Kant se situa entre estas grandes correntes históricas do pensamento ocidental. Lima Vaz atesta que as preocupações de Kant era retomar essas aporias éticas de maneira genuinamente racional: “o interesse maior de Kant, ainda aqui seguindo a tradição do racionalismo moderno, era voltado para uma constituição de uma Moral ou de uma Ética voltada definitivamente fundamentada e livre das objeções que se formulavam seja contra a filosofia moral de tradição wolffiana seja contra a moral empirista. É possível mesmo afirmar que a orientação profunda e constante que guiou a evolução do pensamento de Kant apontava para a tarefa fundamental para a edificação de uma Moral rigorosamente racional”[10]

Portanto, esta exposição da construção dos valores da modernidade e as correntes filosóficas da mesma abrangem a estrutura ética de Kant e os fundamentos principais da vida moral não mais subsumidas a correntes temáticas anteriores ou a religião, mas guiadas pela própria razão autônoma com o espírito do século das luzes.

Autor: Pedro Igor Farias Rodrigues, estudante do 2º ano do Curso de Filosofia da FASBAM.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Rogério Miranda de. A Fragmentação da Cultura e o Fim do Sujeito. São Paulo: Edições Loyola, 2012.

ALMEIDA, Rogério Miranda de. História da Filosofia Moderna. Curitiba: FASBAMPRESS, 2021.

KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento? Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Brasília: Casa das Musas, 2008.

VAZ, Henrique C. de LimaEscritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2008.

VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola, 1997.

 

[1] ALMEIDA, Rogério Miranda de. A Fragmentação da Cultura e o Fim do Sujeito. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 249.

[2] VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola, 1997. p. 229.

[3] ALMEIDA, Rogério Miranda de. História da Filosofia Moderna. Curitiba: FASBAMPRESS, 2021. p. 114.

[4] Ibid. p. 114.

[5] Ibid, p. 114.

[6] Ibid, p. 115.

[7] KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento? Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Brasília: Casa das Musas, 2008.

[8] VAZ, Henrique C. de LimaEscritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2008 p. 315.

[9] Ibid p. 315.

[10] Ibid, p. 319.

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