Os fundamentos éticos kantianos

O presente artigo tem por objetivo apresentar a ética do filósofo alemão Immanuel Kant que, imbuído pelos valores e reflexões do século das luzes (séc. XVIII), representa um marco na era filosófica moderna, ao reconhecer que a ordem moral não é decorrente de estímulos empíricos, inclinações políticas ou fundamentos divinos. Segundo Kant, o homem é o responsável por criar sua própria lei moral e suas ações refletem representações dessas leis subjetivas.

O dever é o conceito de máxima apreciação do valor intrínseco de uma benevolência, executado pelo indivíduo através de ações desprovidas de inclinações pessoais ou motivadas por tendências egoístas. Ao contrário, a verdadeira realização do dever reside em reconhecer que, mesmo agindo contra sua vontade individual e ciente de que tal ação irá prejudicar seus ganhos pessoais, o indivíduo age de qualquer maneira.

Uma ação realizada por dever possui um valor moral genuinamente estabelecido, pois respeita plenamente a máxima que a determina. Desse modo, o valor moral reside não no objeto da ação, mas no princípio da vontade que reflete os desejos e conduz à prática apropriada. A filósofa Michèle Crampe-Casnabet alude sobre o formalismo de Kant na formulação de sua ética ao considerar que “o formalismo implica que nenhum fim da ação deve ser levado em consideração na determinação do ato moral. Só a forma da lei pode garantir a moralidade do agir”[1].

Esta prática decorre do indivíduo por meio da lei moral universal que está inerente em sua razão, a vontade, uma vez desprovida de qualquer inclinação ou estímulo, fica obrigada a seguir estritamente uma lei universal das ações e servir a sua máxima, tornando-se assim, autônoma. Essas diretrizes morais são compreendidas por Kant como imperativos categóricos, isto é, comandos ou leis morais que não estão condicionados nem têm relação com a matéria da ação e seus resultados, mas sim ligadas ao princípio e à boa essência que a ação possui independente de suas consequências.

Ainda na compreensão do imperativo categórico, o filósofo Gleison Rosa Sena demonstra estes referidos significados ao considerar que o dever moral é a representação da lei, pois todo ser racional tem a ideia de uma lei e o que ela é, ele reflete que o motivo disto está, a saber, que a mente humana possui uma natureza legisladora e se impõe a realidade[2]. Neste aspecto, ele salienta que esta lei universal é necessária, pois no próprio conceito de lei existe a sua necessidade e universalidade e isto fica conforme a definição de Kant de que moral é tudo aquilo que pode ser universal[3].

Na continuidade desta relação, Sena afirma que a lei moral tem a forma de um imperativo categórico que por ser um mandado absoluto e inerente a razão, este propriamente confirma a exigência de universalidade que media a lei e a vontade finita. Desse modo, o dever pode provir da vontade, em mandado da lei, isto é, agir moralmente[4].

Outro conceito que é um marco da ética de Kant é a liberdade. Para ele, liberdade é entendida como autonomia, ou seja, a capacidade que os indivíduos têm de orientar a sua própria consciência. Sobre este específico conceito, o pensador alemão trata na Fundamentação a importância da liberdade e razão: “Ora é impossível pensar que uma razão que com a sua própria consciência recebesse de qualquer outra parte uma direcção a respeito dos seus juízos, pois que então o sujeito atribuiria a determinação da faculdade de julgar, não à sua razão, mas a um impulso. Ela tem de considerar-se a si mesma como autora dos seus princípios, independentemente de influências estranhas; por conseguinte, como razão prática ou como vontade de um ser racional, tem de considerar-se a si mesma como livre; isto é, a vontade desse ser só pode ser uma vontade própria sob a ideia de liberdade, e, portanto, é preciso atribuir, em sentido prático, uma tal vontade a todos os seres racionais.”[5]

No estudo sobre as formas do imperativo categórico, Kant elabora a relação do agir moral com a lei universal ao direcionar: “age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”[6].  Em outro ponto, ele destaca a humanidade como fim em si mesma, como princípio que move a boa vontade, o respeito a si mesmo e ao outro, o filósofo alemão, sobre este debate acende: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”[7].

Por conseguinte, ele disserta sobre a autonomia da vontade que consiste na concepção de que o ser racional é o ser capaz de agir de acordo com uma lei que se dá a si mesmo pela perspectiva racional, assim alude Kant: “Age de tal maneira que tua vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador universal através de suas máximas”[8].

Assim, a ética de Immanuel Kant demonstra que a excelência da moral é o cumprimento do dever e deve conduzir a autonomia e em tom de ordem, na crítica prática, o pensador alemão afirma: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”[9]. Tudo isto guia, na ética kantiana, a construção correta da própria vida seguindo os valores provenientes do imperativo categórico.

Portanto, dissertar sobre a ética de Immanuel Kant é um esforço que contempla o interior do ser humano e o coloca no dever de reflexão sobre as atitudes e seus fins. O agir livre, a saber, o agir racional em obediência ao imperativo categórico dispõe ao homem a plena realização do bem moral e conhecimento de si, do seu processo humano e das circunstâncias e necessidades que no percorrer da vida é desafiado a agir e se aperfeiçoar.

Autor: Pedro Igor Farias Rodrigues, estudante do 2º ano do Curso de Filosofia da FASBAM.

REFERÊNCIAS

CRAMPE-CASNABET, Michèle. Kant: Uma Revolução Filosófica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

SENA, Gleison Rosa. Ética. Curitiba: FASBAMPRESS, 2021.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Lisboa: Edições 70, 1986.

[1] CRAMPE-CASNABET, Michèle. Kant: Uma Revolução Filosófica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 67.

[2] SENA, Gleison Rosa. Ética. Curitiba: FASBAMPRESS, 2021. p. 103.

[3] Ibid. p. 103.

[4] Ibid. p. 103.

[5] KANT (1986), p. 96.

[6] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 130.

[7] ibid. p. 135.

[8] Ibid. p. 138.

[9] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Lisboa: Edições 70, 1986. p.24.

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