A estima dos autores orientais pela tradição dos Padres é bem conhecida. Citemos um exemplo do Prado Espiritual de João Mosco: «Se você encontrar uma máxima de Santo Atanásio e não tiver uma folha para transcrevê-la, escreva-a em sua roupa!»[1].
Os Padres distinguiram bem as duas fontes de fé: a Escritura, por um lado, e «os mistérios da Igreja não oferecidos pelas Escrituras»[2], por outro. Primeiramente, insiste-se na necessidade de uma tradição viva e oral,[3] mas depois o ensinamento dos Padres é escrito e torna-se «Escritura divina». Um «tradicionalista» convicto como José de Volokolamsk acha legítima esta extensão do termo «Escritura divina»: «Recebemos o testemunho da Escritura, isto é, do Antigo Testamento e dos Profetas, do santo Evangelho e dos Apóstolos, e depois todos os escritos que os Padres da Igreja e os Doutores nos deixaram»[4]. A tradição pode ser equiparada à Escritura porque «quem escreve no seu tempo para a Igreja é movido pelo Espírito Santo»[5].
O resultado, no entanto, às vezes é uma estima excessiva pelos livros espirituais[6] e, ao mesmo tempo, o medo de expressar algo próprio[7] e o desejo absoluto de se ater apenas às compilações «das Escrituras»[8], porque se sente indigno de inspiração direta por parte do Espírito Santo[9]. Para reagir contra essa mentalidade livresca, a ênfase deve ser dada à tradição viva, de modo a implicar «uma operação incessante do Espírito Santo que não pode ter seu pleno desenvolvimento e frutificar a não ser na Igreja…»[10].
Portanto, quando se fala do «tradicionalismo» da Igreja do Oriente, não se deve esquecer que a tradição é «a vida (da Igreja) na qual cada um de seus membros pode participar de acordo com suas capacidades; estar na tradição significa participar da experiência dos mistérios revelados à Igreja»[11].
Esta tradição viva é inseparável da oração da Igreja. Um vínculo estreito une, na autoconsciência da Igreja, o dogma e o culto[12]. Irineu afirma, por exemplo, que «a nossa doutrina está de acordo com a Eucaristia e a Eucaristia a confirma»[13] e para Teodoro, o Studita, «a liturgia é o resumo da economia da salvação»[14].
Nesse contexto, o termo «Padre» assume um significado mais amplo do que nas patrologias modernas. Para os autores espirituais, os «Padres inspirados por Deus» (theopneustoi) são os monges do deserto e seus herdeiros, e entre os escritos dos doutores da Igreja os espirituais preferem as grandes obras ascéticas. Eles têm dificuldade em acreditar que a época dos Padres acabou, e de fato, mesmo que uma veneração particular seja atribuída à antiguidade, no entanto, mesmo os «modernos», como Atanásio Sinaita ou Santo Eutímio, o Jovem, e outros são considerados Padres, desde que sua santidade apareça. Paolo Evergetino, em seu famoso florilégio Synagogê, os considera todos «teóforos» e transmite suas palavras como uma Escritura inspirada[15]. E o biógrafo de Simeão, o Novo Teólogo, diz dele: «Seu pensamento era como o dos Apóstolos, porque o Espírito divino o animava com suas monções e instruía os fiéis com seus próprios escritos inspirados»[16].
Fonte: SPIDLÍK, Thomas. La spiritualità dell’Oriente cristiano. Manuale sistematico. Roma: San Paolo, 1995, p. 13-14.
Traduzido por Ir. Marco Antônio Pensak, OSBM.
[1] Jean Moschus, Le pré spirituel 40, SC 12 (1946) 84.
[2] Basilio, Tractatus de Spiritu Sancto 27, PG 32, 193a; SC 17bis (1968) 487.
[3] Cfr. La.sophiologie de S. Basile, pp. 172ss.
[4] Cfr. T. Spidlík, Joseph de Volokolamsk. Un chapitre de la spiritualité russe, OCA 146 (1956) 10 (d’ora in poi citato con Joseph de Volokolamsk).
[5] Ibid., p. 14.
[6] Cfr. T. Spidlík, L’autorità del libro per il monachesimo russo, art. cit., pp. 159-179; Id., Der Ein/luss cyrillomethodianischer Übersetzungen auf die Mentalität der russichen Mönche, in F. Zagiba (a cura di), Anna/es Instituti Slavici, Acta Congressus… Salisburgensis I, 4, Wiesbaden 1968, pp. 95-102; Id., La spiritualità dei monaci greci in Italia. Alcuni aspetti particolari, in La Chiesa greca in Italia…, Padova 1973, pp. 1201-1204.
[7] Cfr. Joseph de Volokolamsk, p. 95.
[8] Cfr. T. Spidlík, L’autorità del libro…, art. cit., pp. 167s.
[9] Cfr. Joseph de Volokolamsk, p. 9.
[10] V. Lossky, A l’image età la ressemblance de Dieu, Parigi 1967, p. 196.
[11] V. Lossky, Essai sur la théologie mystique de l’Église d’Orient, Parigi 1944, p. 235.
[12] V. Lossky, A l’image età la ressemblance de Dieu, op. cit., p. 193.
[13] Ireneo, Adversus haereses 4,18,5, PG 7, 1028; SC 100 (1965) 610.
[14] Teodoro Studita, Antirrheticus 1,10, PG 99, 340c.
[15] Cfr. I. Hausherr, Paul Évergétinos a-t-il connu Syméon le Nouveau Théologien?, OCA 23 (1957) 58-79; Etudes de spiritualité orientale, OCA 183 (1969) 262-283.
[16] Id., Syméon le Nouveau Théologien, in Orientalia Christiana 12 (1928) n. 45.
Sem palavra para descrever, o escrito onde se torna latente a figura magestosa do “Padre” não existiria Igreja se não conservase-mos a sublime tradição! Parabéns sem comentários!