A herança de Xenófanes de Cólofon: a alienação religiosa de Ludwig Feuerbach

A filosofia também tem suas coincidências, ou melhor, a sua herança intelectual. O presente texto buscar relacionar o antropomorfismo de Xenófanes e o conceito de alienação religiosa de Feuerbach analisando seus contextos, conceitos, objeto crítico e neles os seus pontos comuns. Ambos os filósofos estão no enquadrados na filosofia da religião, esta tem seu objeto de estudo o homem e a sua busca pela religião, na sua relação com o transcendente e o fenômeno disto advindo.

Xenófanes nasceu na região jônica na cidade de Cólofon, por volta de 570 a.C. É considerado compositor poético e viajante especialmente nas colônias itálicas e alguns fragmentos chegaram até nós de seus escritos. Por certas desavenças autorais, é visto como fundador da escola eleata, porém, segundo Giovanni Reale, sua filosofia é considerada independente por se tratar de problemas teológicos e cosmológicos com influências ainda das escolas jônicas.[1]

Ludwig Feuerbach (1804-1872), era filósofo e teólogo e teve sua carreira acadêmica, mesmo por debaixo de impedimentos por suas críticas, em Berlim. Fortemente influenciado por Hegel, mas em 1839 passa a realizar críticas por conta da filosofia hegeliana por de lado fundamentos e causas naturais, assim, Hegel suprimia o Deus transcendente e substituía pelo espírito, ou seja, a realidade humana a abstração. Para ele o que mais interessa não é uma ideia de humanidade, mas muito mais o homem real que é natureza, corpo, sensibilidade e necessidade. Na obra a essência do cristianismo, o pensador alemão desenvolve uma redução da teologia a uma antropologia[2].

Os gregos, de fato, souberam captar o mundo e interpretar pela razão os saberes racionais e explicações para a natureza e o homem. No decorrer da história, muitas formulações partiram das concepções gregas, entre elas a de Xenófones de Colofón que instaura no mundo grego uma crítica à concepção tradicional dos deuses por parte dos homens da época, séculos depois, o alemão Ludwig Feuerbach usa em outro contexto a mesma artimanha crítica na ralação Deus e homem, porém em um olhar moderno.

Xenófanes constrói sua crítica a partir das narrações de Hesíodo e Homero que compunham boa parte da religião pública do homem grego em geral. O absurdo destas narrações, segundo o pensador de Cólofon, é o antropomorfismo que vincula nos deuses as características exteriores, formas psicológicas e ideias que são próprias dos homens. A analogia feita pelo filósofo é afirmar que se os animais também tivessem a capacidade de moldar seus deuses, estes deuses também teriam suas características próprias de animais.[3]

Feuerbach participa desta mesma visão, porém de modo mais detalhado e com novas asserções do ponto de vista do ateísmo moderno e contemporâneo. Antes de entrar seu conceito de alienação, se deve analisar a sua crítica a Hegel sobre este assunto, a vista disso, o escritor Giuseppe Bucaro comenta que “Feuerbach critica Hegel perché aveva posto l’essere delle cose nell’idea. È l’idea che alienandosi pone in essere la oggettivitá. In pratica l’altro, l’oggetto, existe perché l’idea lo ha posto come esistente. Il diverso-da existe in funzione-di. Secondo il concetto hegeliano tutta la materia esiste in funzione dell’idea. Feuerbach nega che la materia abbia origine da qualcosa di diverso da sé. Egli ataca alla radice la filosofia hegeliana, ma il suo vero scopo è quello di attaccare il concetto cristiano di creazione”[4]. No livro A Essência do Cristianismo, o filósofo escreve sobre a essência do homem em geral e a essência da religião nos primeiros capítulos.

            Ele começa discorrendo sobre uma diferença essencial entre os homens e os animais que se diferem pela natureza de suas consciências, apesar de em comum com eles os homens terem sensações instintivas,  a consciência humana é a única capaz de um diálogo consigo mesma o que pressupõe uma vida interior e exterior. Esta essência do homem, a sua individualidade, diferente dos animais, se torna o seu objeto, logo objeto de sua religião. Por saber de sua finitude o homem sempre aspira o seu ideal, portanto, a religião é a consciência do infinito, um confronto de aspiração da essência do próprio homem, mas pela consciência de sua finitude o homem não pode possuir a mínima ideia do que seja este ser infinito.[5]

            Destarte, o homem é uma essência de razão, vontade e amor, ele existe para conhecer, para amar e para querer, ele sempre quer. A alienação religiosa é onde o homem projeta em Deus a sua consciência de infinito, um sonho humano. Uma síntese a esta parte seria a de que o homem cria Deus a sua imagem e semelhança, ou seja, os seres humanos criam a ideia de um ser divino que personifica suas próprias características e valores. A vista disso, conclui Feuerbach,  sobre a essência da religião “a religião é uma revelação solene das preciosidades ocultas do homem, a confissão dos seus mais íntimos pensamentos, a manifestação pública dos seus maiores segredos de amor”[6].

            Xenófanes e Feuerbach são mais um exemplo do pilar grego sendo aproveitado na posteridade, do antropomorfismo a alienação religiosa, na história os homens mudam e, por consequência, mudam os seus deuses. A religião ilusão ou não, puramente divina ou somente humana, sempre permanece naquele íntimo desejoso do ser humano que pela razão os filósofos buscam desvendar.

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Autor: Pedro Igor Farias Rodrigues, estudante do 2º ano do Curso de Filosofia da FASBAM.

[1] REALE, Giovanni. História da filosofia: Filosofia pagã antiga. 2. ed. v. 1. São Paulo: Paulus, 2004, p. 30.

[2] REALE, Giovanni. História da filosofia: do romantismo ao empiriocriticismo. v. 5. São Paulo: Paulus, 2005, p. 158

[3] Op cit, p. 30

[4] Cf. BUCARO, Giuseppe. Filosofia della religione: forme e figure. Roma: Città Nuova, 1992, 59 p. Em tradução livre ler-se: Feuerbach critica Hegel porque ele colocou o ser das coisas na ideia. É a ideia de que, alienando-se, traz objetividade à existência. Na prática, o outro, o objeto, existe porque a ideia o colocou como existente. O diferente-de-existe em função-de. Segundo o conceito hegeliano, toda matéria existe em função da ideia. Feuerbach nega que a matéria se origine de qualquer outra coisa que não ela mesma. Ele ataca a raiz da filosofia hegeliana, mas seu verdadeiro propósito é atacar o conceito cristão de criação.

[5] FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 37.

[6] Ibid, p. 44.

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