Bertrand Russell e a questão da infelicidade e da felicidade

Podemos fazer muitas perguntas, no entanto, há uma que interessa nossa pesquisa, o que torna as pessoas infelizes? Essa pode ser uma das grandes questões que preocupa os seres humanos, pelo simples fato do desejo constante de justificar suas felicidades e suas alegrias, ao contrário, correm da infelicidade como se fosse o principal criminoso e vilão de todos os homens. Há grandes motivos para correr, mas, do mesmo modo, existem vários motivos que podem proporcionar para que, a humanidade possa alcançar a sonhada felicidade, entretanto, será falta de sensibilidade e compaixão dos homens não olharem para aqueles que são desprezados? Ora, a felicidade depende apenas do aspecto particular ou comunitário? Essas interrogações, dentre outras, são abordagens não só da parte de Russell, mas, de praticamente de muitos pensadores.

Russell apresenta inúmeras justificativas e argumentos para apontar como os homens se tornam infelizes. Ele distingue que os animais são felizes, na medida em que, têm saúde e comida suficientes. Os animais, pode ser um exemplo mais óbvio que o filósofo inglês destaca, apesar disso, todos os animais são felizes pelo instinto e por aquilo que o homem o agrada. Já podemos salientar que os seres humanos deveriam ser felizes, mas, no mundo moderno, não o são, pelo menos na grande maioria dos casos. O mundo moderno não apresenta uma estabilidade na sua totalidade, ou melhor, o mundo, no pensamento pessimista, nunca teve estabilidade social, pois, sempre houve diferenças e desigualdades, Russel, nos diz: “se você é infeliz, provavelmente estará disposto a admitir que não é uma exceção nesse caso. Se é feliz pergunte a si mesmo quantos de seus amigos também o são”[1].

Há um grande paradoxo nas linhas de raciocínio de Russell, não em seu sistema lógico, mas, em primeiro lugar, na sua intenção de sugerir uma cura para a infelicidade, porém, essa cura não acontece de maneira eficaz, uma vez que, no cotidiano, se abate sobre quase todas as pessoas nos países civilizados e que se torna ainda mais insuportável porque, não tendo uma causa externa óbvia, parece inevitável[2]. A civilização em que ele se encontra tem suas virtudes e seus vícios, todavia, por mais que o país tenha suas regras, direitos e deveres, ele afirma que não nasceu feliz, isto significa, que não depende apenas dos aspectos externos, mas, de uma causa própria da pessoa na sua individuação e na sua interação social. Não nasci feliz, afirma o filosofo inglês, na adolescência, ele odiava a vida e estava ininterruptamente à margem do suicídio. O que lhe salvou foi o desejo de aprender matemática, sem parar. E essa prazerosa disposição aumentava cada vez mais[3].

Observamos que o desejo pelo saber para Bertrand Russell se aplica essencialmente em aprender a matemática, isto é, um desejo insaciável por ela, dando possibilidade para uma paixão excessiva. O homem tende sempre a inclinar-se para as coisas materiais e pô-las como centro de sua vida, mas, na concepção de Russell isso está longe de ser eficiente. Ele separa dois pontos delicados da qual a humanidade – a partir de seu ponto de vista –, arquiteta um esquema para uma possível felicidade, ou seja, o homem ao buscar a felicidade não apenas deposita uma total confiança nos bens materiais, ele deposita toda reverência em si, nascendo assim, o narcisismo.

Russell então explica o primeiro ponto partido da pessoa que abraça o narcisismo, ora, sendo ele o narcisismo é de certo modo diferente do sentimento habitual de culpa: consiste no hábito de nos admirarmos e no desejo de ser admirados. Naturalmente, até certo ponto isto é normal e nada tem de ruim, já que só no seu excesso o torna algo perigoso[4]. O segundo erro a ser explicado, consiste no orgulho, aqui citamos Chesterton que faz uma distinção entre o homem orgulhoso e o vaidoso, ele afirma: (vaidoso) deseja o aplauso das grandes massas. O orgulho é passivo, desejando apenas o aplauso de uma pessoa, e que já o possui[5]. Russell expõe a ideia de que “o homem primitivo podia orgulhar-se de ser um bom caçador, mas, além disso se ocupava como a atividade doméstica”[6].

Para Russell o homem que consegue com facilidade coisas pelas quais nutre apenas um desejo temperado, ele chega à conclusão de que, a exultação dos desejos não acarreta felicidade. Por isso, caso o homem tenha vertentes filosóficos, finda que a vida humana é intrinsecamente miserável[7]. Mas o amor, em sua concepção, deve ser valorizado, não porque em si esteja seu maior valor, mas, pela sua essencialidade para com todos os outros valores, e como fonte de prazer em si próprio[8]. Por fim, alega que “o amor não só é fonte de prazer, mas, sua ausência é fonte de dor”.[9]

Além da questão do amor, ele observa que a competição e o dinheiro são coisas boas, porém, o homem moderno a modifica de maneira trágica, pois, o dinheiro pode agradar da maneira em que o tempo livre e a segurança são o ápice da vida humana. O homem moderno, segundo sua acuidade, tende a um típico querer próprio do dinheiro, com vistas à ostentação, à magnificência e ao deslumbramento daqueles que até agora têm sido seus iguais. Porém, ele não nega que a sensação de constituirmos um bem nos facilita gozar da vida[10]. Mas, o homem rico tem uma séria deficiência, ele ao pertencer este tempo avançado e acelerado de informações, ele não consegue de nossos tempos um verdadeiro discernimento. Nunca lê, nunca se interessa pelas faculdades para se ter como base um grande conhecimento e entendimento[11]. O homem se torna infeliz não só pelo seu exagero em possuir os bens, mas, pela falta de consciência e pela decadência em perder sua vida rapidamente, em outros termos, vaidoso por querer uma longa vida, mas, orgulhoso por colocar-se apenas sua vida em primeiro plano. Contudo, Russell, vai caminhar a partir dessas drásticas constatações um caminho para felicidade, ou melhor, apresentar aos seus leitores como se alcança a felicidade[12].

Mesmo com todas as guerras, independentemente de quais sejam elas, fica uma pergunta: a felicidade é ainda possível? O homem por sua natureza busca a felicidade, e isso não é mais uma novidade ou uma surpresa. Russell vai direcionar e argumentar que existem dois tipos de felicidade, isto é, a felicidade não se limita apenas a essas duas questões, mas, elas são essencialmente importantes. Ele diz que a felicidade pode ser normal ou fantasista, animal ou espiritual, do coração ou da cabeça[13].

            A palavra prazer, pode soar para o homem ignorante uma questão negativa, entretanto, o prazer de conseguir algo dar a entender a necessidade de existirem no início dificuldades que levam a duvidar da vitória, ou na pior das hipóteses, vir abandonar. Embora, no final, quase sempre a alcancemos de maneira inesperada. Sendo assim, o homem que se desdenha perpassa por seus êxitos sem perceber, ao passo que, o homem que se superestima não chega a compreender muito bem seus fracassos [14]. A família tem a oferecer uma estabilidade e fortaleza, do mesmo modo é a sua nação, ora, o homem que dá sua vida em defesa da pátria não é obrigado, mesmo que a esposa e os filhos fiquem na miséria. Lewis, por exemplo, vê que todo lar tem suas histórias onde muitos tentam escondê-las, porém, fechar os olhos para essa realidade é um princípio de traição ao povo, pois, cada um acredita que a história se passa apenas por meio dos heróis. Russell, observa que aquele que se dedica a realizar experimentos com vistas a uma grande invenção ou descoberta científica não se vê, em geral, culpado pela pobreza em que manteve sua família, sempre que seus esforços se vejam coroados de êxito no final [15].

Lewis ressalta que o amor tem um propósito existencial, ou seja, “existe o amor pelo nosso lar, pelo lugar, ou quem sabe, pelos muitos lugares em que crescemos e que foram nossos lares”[16]. Russell defende que a base da família é naturalmente que os pais sentem um tipo de afeto pelos filhos, diferente do que sentem entre si ou pelas outras crianças[17]. Ele, por sua vez, observa que todas as relações humanas não são bastante fáceis para garantir a felicidade de uma das partes, porém, é complexo garantir a felicidade das duas [18]. Russell destaca um ponto da felicidade que mais agrada às pessoas, isto é, os momentos que podemos apenas aderir por serem atividades que envolve a alegria da vida, com este aspecto, ele afirma que há certas coisas indispensáveis para a felicidade da maioria das pessoas, em outras palavras, elas são coisas simples como, por exemplo, comida e casa para morar, saúde, amor, um trabalho satisfatório e o respeito dos outros. E para outras pessoas, é também indispensável ter filhos[19].

Por fim, o pensador inglês lembra a grande diferença entre a infelicidade e a felicidade, apresentando que, não tem como elas serem o centro, ou melhor dito, a infelicidade ser o ápice, o homem pode aprender com a dor, mas, ela ainda não é a única solução para ele se chegar à felicidade, ou como a maioria da humanidade acredita para ser feliz, é preciso antes sofrer. Ele diz que toda infelicidade se baseia em algum tipo de desintegração ou falta de interação. Há inteiramente desintegração quando falta a coordenação entre a mente consciente e a subconsciente. Já o homem feliz, tende a não sofrer de nenhuma dessas duas falhas de unidade, aquele cuja personalidade não está cindida em si nem em confronto com o mundo. Um homem que assim se encontra é um verdadeiro cidadão do mundo e goza livremente do espetáculo que este lhe oferece e das alegrias com que lhe brinda, ele, no que lhe concerne, não teme a ideia da morte, bem como, na verdade, não se sente separado dos que virão depois. Nesta profunda união, é onde a vida se encontra na suprema bem-aventurança[20].

 

Autor: Fr. Phaulo Rycardo Souza Guilhon, SAC.  Bacharel em Filosofia pela Faculdade São Basílio Magno (2022).

 

REFERÊNCIAS:

 

CHESTERTON, Gilbert Keith. Hereges. Campinas: Editora Ecclesiae, 2019.

 

LEWIS, C.S. Os quatros amores. Trad: Estevan Kirschner. 1º ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

 

RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

[1] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 11.

[2] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 14.

[3] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 14.

[4] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 17.

[5] CHESTERTON, Gilbert Keith. Hereges. Campinas: Editora Ecclesiae, 2019, p. 116.

[6] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 18.

[7] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 25.

[8] Oh, amor! Como são injustos contigo

Os que dizem que tua doçura é amarga,

Quando teus ricos frutos são de tal modo

Que nada pode existir de mais doce.

[9] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 32-33.

[10] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 40.

[11] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 43.

[12] É paradoxal afirmar que Russell conduz o leitor para felicidade, pois, ele mesmo já nasceu infeliz e abraçou a matemática como se fosse sua esposa. Vale ressaltar que seus argumentos não são um itinerário, mas, apresentar que a felicidade é ainda possível, mesmo que o homem tenha que renunciar todos os seus bens.

[13] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 121.

[14] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 123.

[15] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 141.

[16] LEWIS, C.S. Os quatros amores. Trad: Estevan Kirschner. 1º ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017, p. 40.

[17] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 167.

[18] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 168.

[19] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 206.

[20] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 210.

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