Segundo o livro do Gênesis, Deus criou o mundo em seis dias e o sétimo foi por ele abençoado e santificado: “Nele descansou depois de toda a sua obra de criação” (Gn 2, 3). Os homens, da mesma forma, construíram o itinerário de sua vida também sobre o ritmo de sete dias. Tal como Deus, durante sete dias eles trabalham e no sétimo dia deixam seus afazeres para celebrar o “Dia do Senhor”.
O pecado, e com ele a morte, entraram na história com a queda do homem e denotam a efemeridade do tempo; em consequência, a insuficiência do ciclo de sete dias. A consciência por parte dos homens da deficiência do tempo histórico motivou, já desde a era dos profetas, a busca espiritual de um novo Dia do Senhor– de um “oitavo dia” especial, extraordinário, no qual a plenitude dos tempos seria renovada.
Esse “Dia do Senhor” foi a memória da morte e da ressurreição de Cristo. Ele, cumprindo a Antiga Aliança, quis morrer na cruz no sexto dia da semana (sexta-feira). No sétimo dia, sábado, o Senhor repousou no sepulcro, descansando “de toda a sua obra” (Gn 2, 2). A Igreja canta no Sábado Santo: “Que repouso é esse hoje? É o Rei eterno, que pelos seus padecimentos realizou a salvação, descansa no sepulcro e nos concede novo repouso”[1]. Após o “repouso” do sábado, “no primeiro dia da semana” (cf. Mc 16, 1-2), isto é, no domingo, Cristo ressuscitou, levantando do sepulcro. Para os cristãos, este primeiro dia tornou-se o verdadeiro “Dia do Senhor”, o dia extraordinário e salvífico. “Assim, o dia que era o primeiro, será também o oitavo, pois a primeira vida não foi tirada, mas tornou-se eterna”[2]. A Igreja celebra o dia da ressurreição do Senhor com a liturgia da “fração do pão”, isto é, com a Eucaristia, comungando os fiéis para a vida eterna.
Já desde os primeiros séculos a Igreja guardava o sábado como o “sétimo dia” santificado, um dia de repouso e destinado à relação com Deus. O domingo tornou-se então o “oitavo dia”, o dia da celebração da ressurreição de Cristo. Até hoje, nas Igrejas de tradição bizantina, o sábado e o domingo são sempre dias eucarísticos, mesmo no tempo da Grande Quaresma. “Em verdade, como poderás olhar a face do domingo se não respeitas o sábado? Não sabes que esses dois são irmãos e desrespeitar um deles significa desrespeitar o outro?”[3].
O domingo
O evento da morte e da ressurreição de Cristo era e continua sendo o tema fundamental da evangelização cristã. Não somente ele é anunciado, como é eucaristicamente revivido e representado. De um lado, o dia da ressurreição de Cristo foi um dos dias da história da humanidade, por outro lado, pela sua singularidade, ele se destaca por sobre a história. A historicidade humana denota a finitude da criatura, mas a ressurreição de Cristo superou a efemeridade histórica. Por isso o evento da ressurreição perdura, “acontece” em episódios históricos mutáveis e efêmeros. A Igreja destaca liturgicamente a historicidade da ressurreição, celebrando todos os anos a Páscoa. No entanto, a duração divina desse evento na história se expressa na Eucaristia dominical. Todo o domingo é o memorial da Páscoa, quando na Divina Liturgia o Cristo ressuscitado manifesta a sua presença. O domingo é o ícone do processo da gloriosa segunda vinda: Parusia. Dessa forma, a ressurreição, “a festa das festas”, entra na totalidade da vida humana, a santifica e a transfigura em festa. O domingo – o oitavo dia – é celebrado por meio do conjunto das “oito melodias”, que se distribuem sequencialmente semana após semana. O ciclo semanal no cristianismo é, na sua essência, pascal, porquanto é justamente a partir da Páscoa que começa a contagem da nova criação e da história pelos acontecimentos e relações cotidianas na “criatura antiga”, mortal.
Os outros dias da semana
Da mesma forma que o dia, o cristianismo vê a semana inteira como ícone da história da salvação, cujo início é a criação do mundo e sua consumação será na gloriosa Parusia de Cristo. O domingo, o “oitavo dia”, é o primeiro e único dia da nova criação, torna-se o primeiro dia da semana. O domingo como “oitavo dia” é o sinal profético e princípio da vindoura “ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir” (Símbolo da Fé). Por seis dias da semana, de segunda-feira a sábado, a Igreja celebra a realização do plano de Deus, desde a criação do mundo até à sua plenitude e consumação.
A segunda-feira é dedicada ao “segundo dia” da criação, quando Deus fez o firmamento: “e Deus chamou ao firmamento céu” (Gn 1, 8), cujos habitantes são os anjos. Da mesma forma como os anjos personificam as criaturas invisíveis, os homens personificam as visíveis. O homem é a coroa das criaturas visíveis. Entre os homens, de acordo com as palavras de Cristo, não houve ninguém maior que João Batista. A ele é dedicada a terça-feira. A quarta-feira a Igreja consagra à vivificante cruz do Senhor, lembrando como por causa do “desejo concupiscível” o homem foi expulso do paraíso e a “árvore da desobediência” produziu a morte no mundo; mas a “árvore da cruz” de Cristo restituiu a vida e deu-nos a incorruptibilidade[4]. Deus envia, para a salvação da humanidade, o seu Filho “que nasceu de uma mulher” (Gl 4, 4). Por isso, a quarta-feira é também dedicada à Santíssima Mãe de Deus. O Filho de Deus encarnado, Jesus Cristo, edifica a sua Igreja sobre o fundamento dos apóstolos, enviando-os ao mundo: “Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio” (Jo 20, 21). A solicitude pastoral da Igreja é personificada em São Nicolau Taumaturgo, arcebispo de Mira da Lícia. Por isso, a quinta-feira é dedicada aos apóstolos e a São Nicolau.
Cumprindo a vontade do Pai, Jesus Cristo, Cordeiro de Deus, que toma sobre si os pecados do mundo (cf. Jo 1, 29), aceita voluntariamente a morte na cruz e com a cruz ele vence a morte. Por isso, na sexta-feira fazemos memória da crucificação salvífica de Cristo. O sentido litúrgico do sábado vem expresso no seguinte contáquio: “A vós, Senhor, Criador de todas as coisas, o universo oferece como primícias os santos mártires”. A Igreja inclui nas celebrações do sábado a totalidade da história da salvação, rendendo veneração a todos os santos: “Apóstolos, mártires e profetas, hierarcas, veneráveis e justos, que combateram o bom combate e conservaram a fé”[5]. No sábado, a Igreja reza também pelos mortos, pelo seu repouso com todos os santos: “Cristo, dai aos vossos servos o repouso eterno no convívio com os santos, onde não existe dor, nem aflição, nem sofrimento algum, mas somente vida eterna”[6].
A ordem das melodias do Octóico
Os ofícios e celebrações do ciclo semanal são agregados à Divina Liturgia e aos ofícios do ciclo diário. Eles são cantados de acordo com determinada melodia em ordem sequencial (em grego ekhos = som, melodia). A tradição do canto litúrgico em oito melodias decorre do evento da Páscoa, no “oitavo dia”. As oito melodias se estendem por oito semanas. No seu conjunto, as oito melodias compõem o livro litúrgico denominado “Octóico”, em grego Oktoekhós, isto é, “oito melodias”.
As oito melodias do ciclo semanal constituem uma “coluna”, cuja base é a primeira melodia e o capitel é a oitava melodia. Sobre esse “capitel” se constrói novamente a primeira melodia, que é cantada a partir do domingo seguinte. Assim, com essas melodias, como se fossem degraus, é construída a “escada espiritual”, entre o tempo presente e o dia da vinda do Senhor. Todos os anos, a montagem dessa “escada” tem início no Domingo de São Tomé e se completa no Domingo de Ramos. O “tempo pascal” dos ciclos semanais como que “cinge” o tempo histórico e nos possibilita compreender toda a vida à luz da alegria pascal.
[1] Triódio Pascal. Sábado Santo, Matinas, estrofes nos salmos de louvor.
[2] Agostinho de Hipona: Carta 55. Resposta às perguntas de Januário, 9, 17.
[3] Gregório de Nissa: Sobre a penitência.
[4] Cf. Octoico, melodia 3, quarta-feira, vésperas, estrofes posteriores.
[5] Horológio. Ofício cotidiano, sábado, tropário a todos os santos.
[6] Horológio. Ofício cotidiano, sábado, contáquio aos finados.
Fonte: Cristo nossa Páscoa: Catecismo da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Tradução: Pe. Soter Schiller, OSBM. Curitiba: Serzegraf, 2014, n. 555-564.