A vida cristã: um itinerário na fé, na esperança e no amor | Série: Espiritualidade Basiliana

Hoje, nós iniciamos aqui em nosso Blog de Teologia Oriental uma série de textos preparados pelo Pe. Cristiano Silva, OSBM, sobre a vida cristã e a busca das virtudes teologais da fé, da esperança e do amor.


A vida cristã: um itinerário na fé, na esperança e no amor

A Providência Divina fez com que hoje nós pudéssemos iniciar um caminho. Este caminho que é guiado pela Luz do Evangelho e percorrido na busca das virtudes da fé, esperança e amor. Este itinerário ou caminho de vida cristã, é antes de mais nada uma atitude voluntária do ato de Fé, como oferta completa do dom da própria vida a Deus. Só é possível compreender e também viver plenamente a vida cristã quando o fundamento é baseado por uma causa maior, que é o Reino dos Céus. Do ponto de vista puramente social, a vida cristã autêntica pode ser chamativa e até mesmo estranha para alguns.

A nossa vida nesta terra é um percurso dinâmico, fatigoso e até ambíguo. Para tantas pessoas a vida se torna uma realidade agitada, complexa, por vezes cheia de dificuldades. Os homens sempre se sentiram impelidos em buscar respostas as verdades ultimas sobre os fenômenos que o cercam. É justo e necessário esta busca do ser humano pelo conhecimento, pela compreensão de si próprio e pela realidade em volta de si.  Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2) [1].

Nesta multidão de pessoas que buscam respostas definitivas aos questionamentos da existência humana, encontram-se também pessoas que anseiam por respostas e soluções para os questionamentos da vida e que se baseiam numa experiência de fé, pessoal e comunitária. Uma atitude de extrema confiança em um Ser Supremo, na vida eterna e em todos aqueles valores revelados por Jesus Cristo nos Evangelhos.

 Revestidos com a couraça da fé, os cristãos podem ser cada vez mais uma resposta ao mundo e aos questionamentos do mundo.  Esta resposta, ou testemunho, faz-se útil principalmente agora, em um mundo cada vez mais chagado pela descrença, pelo egoísmo, pela divisão e pela ganância. O testemunho de pessoas deve um alento aos males quem tanto afligem a contemporaneidade. Com o estilo de vida e a busca do Absoluto, sugere quase que uma terapia espiritual para os males do nosso tempo. Por isso, no coração da Igreja, representa uma bênção e um motivo de esperança para a vida humana e para a própria vida eclesial [2].

Os homens e as mulheres que se consagram a Deus, por exemplo, são uma opção de oferecimento da própria existência pelas causas do Reino de Deus, que gerou numerosos frutos para a Igreja durante os séculos. A vida consagrada, mais do que nunca tem sido necessária como reflexo e testemunho de Jesus na sociedade. Ela se torna presença da Pessoa de Jesus no mundo, no testemunho de pessoas concretas. Este gesto é um despertar comovente que converte mais pessoas à consciência da existência de algo sobrenatural, além dos entraves desta vida. O ato de consagração por meio dos votos é um dos maiores atos de fé que um cristão pode fazer como prova efetiva daquilo que ele crê. (Além do martírio).

A fé e os testemunhos de fé não se motivam somente por meio de milagres, prodígios ou acontecimentos sobrenaturais. Os milagres deste tipo existem, mas eles são somente sinais; auxílio para um ato de fé ainda muito imperfeito. A fé também não se dá a partir de sentimentos ou sensações e impressões pessoais. O verdadeiro despertar para a fé se dá quando nós cremos nas palavras do Senhor (Jo 5, 24). Todas as nossas atitudes e atos devem ser baseadas na crença em Jesus, em tudo o que Ele diz, porque Ele viu Deus face a face (Jo 12, 49). Na verdade, cremos mais naquilo que o Senhor diz do que naquilo que nós vemos, ou sentimos. É assim que deve ser, esta é a real experiência de fé.

Mesmo nos momentos em que vivemos aridez espiritual e não sentimos nada, somos chamados a ter um ato de fé. “Eu creio, mesmo sem sentir nada”. Mesmo que os sentidos exteriores nada atestem, ou ainda talvez os sentidos interiores nada atestem, a “Palavra de Deus” nos faz ter confiança naquilo que é divino (Mt 8,8). A fé, na vida real, é nós crermos na palavra de Cristo. Nós crermos que Ele não se engana e nem engana ninguém. Jesus não se engana porque Ele é a Sabedoria encarnada e, portanto, Ele não pode estar errado. Ele viu e ouviu, e Ele sabe o que Ele viu e ouviu. É um testemunho que vem diretamente de Deus, e Ele está atestando a partir daquilo que viu e ouviu.

Deus, sendo infinitamente bom e amável, não nos engana. Por isso, todas as verdades, valores e conselhos do Evangelho são normas que trazem vida e vida em abundância (Jo 10, 10).

A minha mente vê e crê porque é Jesus quem está atestando. É digno de crédito! Ele não engana ninguém, Ele prometeu que ressuscitaria e de fato ressuscitou. O que hoje nós temos pela fé é mais do que os apóstolos tinham quando tinham Jesus aqui nesta terra, porque quando Ele estava aqui na terra, visível, não ressuscitado, os discípulos tinham a sua presença local. Hoje, nós, pela fé, podemos ter uma presença íntima em nosso coração. Por isso, devemos superar a visão da existência somente do mundo material, porque não enxergamos o mundo todo. Não vemos a realidade invisível. No Símbolo da Fé Niceno-Constantinopolitano, nós rezamos que cremos nas coisas visíveis e invisíveis. Vemos somente um pedaço da verdade, um pedaço da verdade distorcido pelo nosso egoísmo, pelas nossas paixões, pela desordem, mas se começamos a trabalhar o nosso coração na fé, a nossa fé começa a ver a verdade e a presença do invisível aos sentidos.

A presença do Senhor, na maioria das vezes, não é sensível. Pode ser que quando estamos rezando, Jesus nos console e dê uma sensação da sua presença, mas estas experiências são muito raras. A certeza de que Ele está conosco sempre, nós teremos se tivermos fé! A fé enxerga uma realidade real, não é mentirinha, faz de conta. A fé nos coloca na verdade: eu não estou sozinho nunca. Ele está conosco numa presença íntima, agora mesmo, doando-se como fonte de água viva dentro de nós, e a nossa dúvida se transformara em certeza! (Mc 5, 34).

О ato de fé é aquilo que faz com que a pessoa cresça espiritualmente, porque é ele que engrandece a Igreja. Existe uma diferença! Existe a fé enquanto virtude que já está presente em nós, e existe o ato de fé exercido. Se queremos crescer espiritualmente, não basta somente crermos, mas temos que ter uma intervenção divina da graça e isso acontece no ato de fé. A princípio, o ato de fé não é uma ocorrência rara.

Tentemos olhar para nossa vida de verdade e reconhecer os gestos e ações da nossa vida que foram movidos por puros atos de fé. O ato de fé exercido é quando uma verdade sobrenatural (Deus nos ama, Deus é criador do Mundo, Deus está presente na Eucaristia, etc.) que aparece para a nossa inteligência, ilumina-a, e convida a nossa vontade. O ato de fé propriamente dito acontece na nossa inteligência. A iluminação da inteligência é a fé e o convite a vontade e a ação concreta da fé (consagração).

Embora a vocação religiosa seja um gesto fundado na fé, ela também não deixa de ser um mistério no qual devemos aceitar, como um dom generoso. Para que a vocação sobreviva, é necessário que a virtude da fé se renove a cada novo dia que desponta. Se não acreditardes, não compreendereis (cf. Is 7, 9), se não acreditares, não subsistireis[3].  Diz São João Crisóstomo, que sem ela (a Fé) não conseguimos sequer entender o sentido das coisas mais importantes: Aqueles que, não têm fé, são parecidos com aquelas pessoas que querem navegar no mar, mas não têm um barco”.

O ato de fé e o ser cristão exigem uma atitude de convergência, ou mudança radical de vida. Esta mudança é popularmente chamada de “conversão”. Conversão é, entre outras coisas, mudança de direção, mudar o rumo da história, é ir por outros caminhos, no sentido figurado do termo, o que nos faz lembrar a passagem bíblica da epifania do Senhor (Mt 2,1-12). Não no sentido convencional do termo, como estamos acostumados, mas nas entrelinhas, interpretamos que esta conversão revela mudança de rumo e de direção na vida naqueles que fazem o verdadeiro encontro com o Senhor. É a passagem em que os magos, guiados pela estrela, procuravam o rei dos judeus. Eles seguiram a estrela, porém quando chegaram nas imediações do palácio de Herodes, a estrela desapareceu e eles foram pedir informações justamente a Herodes, que era inimigo do menino. Após o afastamento dos magos, a estrela volta a brilhar e eles encontram o menino. Ao encontrarem, adoram-no oferecendo os presentes das divindades (incenso, ouro e mirra). Após este encontro eles têm a vida completamente transformada e retornam por outro caminho. Nem sequer voltaram para avisá-lo que tinham encontrado a criança, como ele havia pedido. Este é um exemplo de um sentido mais parabólico de conversão: irmos por caminhos alternativos que superem Herodes e seus palácios. A estrela que conduz a Deus não brilha em meio a atrocidades, crueldades e ambições.

Texto patrístico para meditação: O Salvador nada ensina de maneira meramente humana; Ele ensina os Seus com sabedoria Divina e mística. Portanto, não devemos escutar suas palavras com ouvidos mundanos. Devemos buscar e aprender o significado escondido nelas, porque aquilo que o Senhor parece ter simplificado para os discípulos requer ainda mais atenção do que afirmações enigmáticas, devido à abundância de sabedoria. (Clemente de Alexandria)

Sugestões de leituras bíblicas para aprofundamento: Gn 22, 1-18/ 1Sm 3, 1-18 / Lc 1, 26-38 / 2Pd 1, 19-21.

[1] Fides et Ratio, introdução.

[2] Partir de Cristo, n 6.

[3] Lumen fidei, n 23.

Pe. Cristiano Silva, OSBM
Especialista em espiritualidade

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