“Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista”.
(Mateus 11,11).
Entre todos os santos que a Igreja Oriental venera, são João Batista tem um lugar único. Somente ele, de todos os santos, com exceção da Mãe de Deus, tem uma solenidade que honra a sua Concepção, e outra que honra sua Natividade. O grande estima que ele desfruta na Igreja Oriental é evidente a partir do fato que durante o Ano Litúrgico não menos que seis solenidades são celebradas em sua honra: as solenidades de sua Concepção, Natividade, Decapitação, o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Encontro de sua Cabeça, e a coletiva logo após a solenidade da Teofania. Vamos examinar sua pessoa e seu culto na Igreja Oriental.
A Pessoa de São João Batista
Entre todas as pessoas do Antigo Testamento, são João Batista é especialmente excepcional, principalmente porque ele está no limite dos dois testamentos: o Antigo e o Novo. Ele fechou as portas para os profetas e as abriu para os apóstolos. Ele não é somente um profeta, mas também precursor de Cristo, Batista e mártir. João, que já havia sido purificado do pecado original enquanto ainda estava no ventre de sua mãe, é a única pessoa que recebeu o privilégio de batizar Aquele que a vinda os outros profetas predisseram, mas não viveram para ver.
Antes de seu nascimento, um anjo do Senhor predisse ao seu pai, Zacarias: “Ele será grande diante do Senhor”[1]. E de fato, ele foi grande por sua vida santa, ensinamento autêntico, e morte heroica. O próprio Jesus Cristo o aclamou como “a lâmpada que arde e ilumina”[2].
A vida de João Batista foi uma sequência ininterrupta de sacrifício e penitência. Ele pregou ao povo novas doutrinas nunca proclamadas anteriormente: um batismo de arrependimento, a proximidade do Reino de Deus, a presença entre eles de Jesus, o seu Messias e Salvador. João batizou Jesus no Rio Jordão e posteriormente o apontou como o “Cordeiro de Deus”[3].
São João Batista sem medo expôs e denunciou todos os pecados e escândalos. Ele intrepidamente se dirigiu ao orgulho dos fariseus: “Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir?”[4]. Ele não tinha medo de censurar os pecados e escândalos da casa real: “João dissera a Herodes: ‘Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão”[5].
Sua vida santa e ensinamentos foram coroados por sua morte heroica. Ele caiu como um soldado em seu posto, dando sua vida por altos ideais: o serviço a Deus e ao seu povo. Deste modo, ele permanece por todos os tempos como um eterno símbolo de um defensor heroico de tudo aquilo que é santo, corajoso e sublime.
Nossos serviços em honra da solenidade de sua Natividade louva suas virtudes singulares, caráter heroico, e exclusivo papel como precursor do Messias, e outorga-lhe vários títulos, tais como: “forte pregador de penitência”, “rola-brava amorosa do deserto”, “lâmpada de luz”, “estrela do Sol da Justiça”, “o maior profeta”, “o grande Precursor”, “o maior entre os profetas”, “o apóstolo universal”, “verdadeiro amigo de Cristo, o Noivo”, “estrela ilustre”, “voz marcada por Deus”, “pregador do Cordeiro de Deus e do Verbo”, “o fim dos profetas e o início dos apóstolos”, “anjo terrestre e homem celeste”, “o precursor, estrela sobre todas as estrelas”. Nas estrofes da Lítea da solenidade de sua Decapitação, nós o chamamos: “Como devemos lhe chamar, Profeta? Um anjo? Um apóstolo? Um mártir? Pois tu viveste como se fosses um anjo incorpóreo; tu ensinaste todas as nações como um apóstolo; e tu foste decapitado pelo amor a Cristo como um mártir”.
O Culto a São João Batista na Igreja Oriental
No Oriente, o culto a são João Batista é muito antigo e popular. A veneração de suas relíquias em várias localidades testemunha isso; outras testemunhas incluem inúmeros ícones reverenciados pelos fieis, o grande número de igrejas erigidas em sua honra, e as muitas solenidades celebradas em sua honra durante o Ano Litúrgico. Nós temos:
- A Solenidade de sua Concepção – 23 de setembro
Esta solenidade é associada às solenidades da Anunciação e Natividade de nosso Senhor, pois a concepção de são João aconteceu seis meses antes do nascimento de Cristo. A solenidade da Concepção parece ter originado no fim do século IV, mas não até o fim do século VII nós temos evidência clara e universal a respeito dela, nos menológios coptas, e os testemunhos de são Jerônimo e o venerável Beda. O Evangelho do Sinai de 715 não inclui esta solenidade. Embora são João Crisóstomo tenha um sermão sobre a solenidade da Concepção de João, ele é de autenticidade questionável.
- A Natividade de São João Batista – 24 de junho
De todas as solenidades de são João Batista, a de sua Natividade (24 de junho) é a maior. Esta solenidade, assim como sua Concepção, já era conhecida no século IV. Nós temos sermões sobre esta solenidade feitos por são João Crisóstomo, santo Ambrósio e santo Agostinho. Em seu sermão para este dia, santo Agostinho diz: “Hoje nós estamos celebrando a Natividade de são João. Esta é uma honra que nenhum outro santo desfruta. Por todo mundo cristão, apenas duas pessoas são honradas em suas Natividades: nosso Senhor, Jesus Cristo e são João Batista”. Santo Agostinho não menciona a solenidade da Natividade da Mãe de Deus aqui, uma vez que esta solenidade ainda não havia sido instituída. No Ocidente, nós encontramos a solenidade da Natividade de são João, o Precursor, no antigo calendário da Igreja africana do século V.
Na época em que nós celebramos a solenidade da Natividade de são João, em tempos pré-cristãos nosso tinha o costume de celebrar o festival de Kupalo. A respeito do festival de Kupalo na Ucrânia, S. Kylymnyk, diz: “O maior, mais exuberante festival, que finaliza o ciclo do solstício de verão dos festivais do calendário pré-cristão – era o festival da juventude – dos meninos e meninas – chamado ‘Kupalo ou Kupaylo’, que após a aceitação do cristianismo foi associado como a solenidade litúrgica da Natividade de João Batista. Consequentemente, este festival carrega o composto nome de “João Kupalo”. Os ritos e músicas associados com o festival Kupalo, como as músicas e danças da primavera, retornam para os primeiros tempos, par a poesia primitiva e rituais em honra do doador da vida, o sol”[6].
- A Solenidade da Decapitação de São João Batista – 29 de agosto
Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, que ordenou o massacre das crianças de Belém, dispensou sua primeira esposa e ilegalmente coabitou com Herodíades, a esposa de seu irmão, Felipe. São João, o Precursor, publicamente repreendeu Herodes pelo escândalo que ele estava dando, e por isso ele teve que pagar com sua vida. Herodíades se vingou dele de maneira suja, induzindo Herodes a decapitá-lo. Uma lenda piedosa relata que a cabeça cortada de João Batista em uma bandeja de prata, dizendo: “Vós não podeis ter a esposa de vosso irmão”. Como um resultado, acredita-se que Herodíades tenha perfurado a língua de João com uma agulha. Temendo para que ele não ressuscitasse dos mortos e sua cabeça se juntasse ao seu corpo, ela enterrou a cabeça nas instalações do palácio.
O discípulo de são João tomou seu corpo e o sepultou em Sebaste, na Samaria. Um testemunho sobre esta solenidade data do século V. O Missal do papa Gelásio (492-496) tem esta solenidade. Santo André de Creta compôs o serviço para a Decapitação de são João (séc. VII), ampliada com são João Damasceno e o patriarca Germano (séc. VIII). Desde os antigos tempos, neste dia, a Igreja Oriental observa um estrito jejum em honra dos sofrimentos e da morte do santo Precursor.
- O Primeiro e o Segundo Encontro de Sua Cabeça
A Igreja Oriental celebra o triplo encontro da cabeça de são João Batista. Nós aprendemos sobre seu encontro a partir das obras de são Cipriano, Mártir, dos historiadores eclesiásticos Sozomeno, Nicéforo, e outros.
De acordo com uma venerável tradição, a justa Joana, esposa de Chusa, que era o mordomo no palácio de Herodes, viu onde Herodíades enterrou a cabeça de são João. Ela a exumou à noite, colocou-a em um vaso e a levou para o Monte das Oliveiras, próximo a Jerusalém. Aqui a cabeça santa permaneceu escondida por mais de 300 anos até os cristãos a descobrirem enquanto erigiam uma igreja no local. Este foi o primeiro encontro da cabeça e inúmeros milagres aconteceram no local. Com o passar do tempo, contudo, o local da cabeça santa parece ter sido esquecido.
Durante o tempo do imperador Constantino, o Grande, dois monges foram da Síria para Jerusalém para venerar os lugares santos. São João Batista apareceu para eles em uma visão e os mostrou onde sua cabeça permanecia escondida. Eles a levaram consigo e, retornando para casa, deram-na para um oleiro de Emesa, na Síria. Por um longo tempo a cabeça permaneceu com a família do oleiro. Mais tarde, contudo, um ariano chamado Eustáquio pegou a cabeça e a enterrou em uma caverna. Algum tempo depois, um mosteiro foi construído neste lugar e novamente foi revelada a localização da cabeça. Este segundo encontro da cabeça ocorreu em 452.
O historiador, Sozomeno, escreve que sob o comando do imperador Marciano a cabeça santa foi transferida para Constantinopla. Uma particular solenidade, no dia 24 de fevereiro, comemora o primeiro e o segundo encontro da cabeça de são João Batista.
- O Terceiro Encontro da Cabeça – 25 de maio
Durante o tempo das guerras iconoclastas do século VIII, a cabeça do Precursor foi levada de Constantinopla e escondida em Comana, na Ásia Menor, onde são João Crisóstomo morreu exilado. Durante o reinado do imperador Miguel, a cabeça foi encontrada pela terceira vez em 857, e foi novamente transferida para Constantinopla com grande solenidade. Durante as cruzadas, um padre latino foi acusado de a ter levado.
- A Coletiva do Precursor e Batista João
O dia seguinte à solenidade da Teofania do Senhor, o dia 07 de janeiro, a Igreja Oriental celebra a Coletiva de são João Batista. Neste dia, os fieis se reúnem juntos para prestar uma veneração especial a são João como aquele que teve o privilégio de batizar o Senhor.
Aqui pode ser apropriado recordar o que nossa Igreja observa no dia 05 de setembro, a memória do justo Zacarias e Isabel, os pais de são João Batista.
Por sua vida heroica, são João Batista nos ensina que nobres e santos ideais podem somente crescer do amor, dedicação e sacrifício. Sem o espírito de sacrifício, sem serviço a Deus, sem amor ao próximo, sem hábitos de virtude, nenhum ato heroico é possível.
A instrução que nós encontramos no Prólogo eslavo para a solenidade da Natividade de são João, o Precursor, conclui com estas palavras: “Portanto, irmãos, vamos nós também, desfrutar desta solenidade gloriosa do Precursor do Senhor e vamos nos adornar com boas obras. Vamos imitar o grande profeta João, a quem o Senhor estabeleceu como um exemplo diante de todos aqueles que desejam ser salvos… Nós não devemos ser cristãos somente em palavra, mas nós devemos também fazer boas obras, para aparecermos sem acusações no Último Julgamento, quando o servo não pode ajudar o mestre, nem o pai o filho, nem a mãe a filha, nem o irmão seu irmão, mas onde somente as boas obras podem nos levar para a vida eterna, e somente as obras más podem nos lançar com vergonha no lugar do tormento – do qual pode o Senhor Deus nos livrar, a quem seja dada a glória agora e sempre”.
[1] Lc 1,15.
[2] Jo 5,35.
[3] Jo 1,36.
[4] Lc 3,7.
[5] Mc 6,18.
[6] KYLYMNYK. O Ano Folclórico Ucraniano a partir de uma Perspectiva Histórica. v. IV, p. 99.
Fonte: KATRIY, Yulian Yakiv. Conheça o seu rito: o ano litúrgico da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Roma: PP. Basiliani, 1982.
Pe. Yulian Yakiv Katriy, OSBM
(1912 - 2000) Doutor em Filosofia e autor de diversos livros.
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