A Solenidade da Anunciação da Santíssima Mãe de Deus | Série: Conheça o seu Rito

“Com a voz do Arcanjo, nós imploramos a vós, Puríssima única: ‘Alegrai-vos, cheia de graça, o Senhor é convosco”.

(Hino de Louvor da Solenidade).

“Hoje é o início da nossa salvação e a revelação dos eternos mistérios divinos, pois Gabriel anuncia a graça: o Filho de Deus torna-se Filho da Virgem”[1]. Assim, com um canto de louvor nossa Igreja saúda a solenidade da Anunciação da Santíssima Mãe de Deus, chamando-o de início de nossa salvação. E justificadamente, pois esta solenidade é uma das mais importantes solenidades do Ano Litúrgico. O próprio título da solenidade, encontrado em nossos livros litúrgicos, indica sua importância: “Anunciação da Santíssima Soberana nossa, Mãe de Deus, e sempre Virgem Maria”.

Santo Atanásio, o Grande (m. 373), em seu sermão sobre a Anunciação, chama esta solenidade como a primeira na lista das solenidades, pois ela inicia a obra da salvação do gênero humano. O fundamento para esta solenidade é a alegria da anunciação lembrada por são Lucas[2]. A Anunciação é primeira em toda uma série de grandes mistérios na vida de Jesus Cristo e sua Santíssima Mãe. A solenidade da Anunciação não é a única das doze grandes solenidades de nosso Igreja, mas seu serviço é tomado mesmo se este dia recai no Domingo de Ramos, na Sexta-feira da Paixão ou na solenidade da Ressurreição.

A Importância do Mistério da Anunciação

O mistério da Anunciação tem fundamental importância, pois com ela o Novo Testamento e nossa salvação. Humanidade tem esperado milhares de anos pela boa nova do Arcanjo sobre a encarnação do Filho de Deus. Céus, terra, e as almas justas no limbo aguardavam esta boa nova. Neste dia Deus cumpre a Sua promessa de enviar o Redentor, neste dia “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”[3]. Em um sermão sobre a Anunciação, atribuído a são João Crisóstomo, nós lemos: “Gabriel foi enviado para revelar a salvação do mundo. Gabriel foi enviado para trazer a Adão a promessa de seu retorno da escravidão do pecado. Gabriel foi enviado para a Virgem, para restaurar a honra da feminilidade. Gabriel foi enviado para preparar a digna câmara nupcial para o Noivo. Gabriel foi enviado para abraçar a criatura com o Criador. Gabriel foi enviado para o vivificante palácio do Rei dos anjos. Gabriel foi enviado para a Virgem desposada a José, mas preservada para o Filho. O servo incorpóreo foi enviado à Virgem Pura. O único que era livre do pecado foi enviado para uma isenta de corrupção. Uma lâmpada foi enviada para apontar o Sol da verdade. A manhã foi enviada para preceder a luz do dia. Gabriel foi enviado para anunciar quem está no seio do Pai e nos braços da Mãe. Gabriel foi enviado para anunciar quem está sentado no trono a direita doe Deus e, ao mesmo tempo, descansa em uma humilde manjedoura na terra”.[4]

Na instrução que o Prólogo dá para este dia, nós lemos o seguinte sobre o significado do mistério: “hoje o Filho e Verbo de Deus, Senhor e Deus, silenciosamente se coloca no ventre da Virgem, desejando, por Sua encarnação, deificar o homem e o trabalho de suas mãos para leva-lo de volta ao antigo paraíso. Hoje o Incriado habita em Sua criatura. Hoje o invisível se torna visível. Hoje o Único inacessível é concebido no ventre virginal e se torna eminentemente acessível. Hoje o Verbo de Deus recebe um corpo, o Filho de Deus se torna o Filho de uma Virgem… Hoje os portões do paraíso são abertos, e a espada de fogo que levou nossos primeiros pais do Paraíso é rapidamente retirada e o gênero humano, completamente pela fé em Cristo e boas obras, novamente entra no paraíso com alegria. Hoje Adão se alegra, tendo recebido em sua natureza o seu Criador. Hoje Eca, tendo esmagada a cabeça da serpente, sua tentadora implacável, convida todo o mundo para se alegrar, dizendo: “Alegrem-se comigo, pois hoje nós encontramos alegria inexpressível e libertação de todo pecado”.

No momento da anunciação do anjo, o Filho de Deus inicia os primeiros momentos de vida terrena no ventre da Puríssima Virgem Maria. Deste fato momentâneo, os privilégios de Maria – aqueles da maternidade divina e da virgindade – claramente emanaram.

A História da Solenidade

A celebração da solenidade da Anunciação iniciou na Igreja Oriental no fim do século IV ou no início do século V. O imperador Maurício (582-602) tornou esta solenidade obrigatória por todo o império. Primeiramente, tanto no Oriente como no Ocidente, ela era considerada como uma solenidade do Senhor assim como é evidente dos nomes pela qual ela foi primeiramente conhecida: “A Concepção de Cristo”, “A Anunciação Concernente a Cristo”, “O Início da Redenção”, “A Anunciação”, “A Anunciação do Anjo à Maria”, “O Dia da Saudação”, “O Dia da Solenidade da Anunciação”. No século VII, o nome foi formalmente estabelecido para toda a Igreja Oriental como “A Anunciação da Santíssima Mãe de Deus”, e foi decretado que esta seria celebrada como uma solenidade mariana.

A data, 25 de março, foi escolhida para esta solenidade porque ela ocorre justamente nove meses antes da solenidade da Natividade de nosso Senhor no dia 25 de dezembro. Em adição a isso, havia uma antiga tradição que o dia 25 de março era marcado não apenas a encarnação do Filho de Deus, mas também pela criação do mundo e da morde de Cristo na Cruz. A Crônica Pascal alexandrina de 624, e também a Crônica Pascal de Constantinopla, desde o início do século VII, colocam a solenidade da Anunciação no dia 25 de março.

A liturgia para esta solenidade foi composta por são João Damasceno, são Cosme de Jerusalém, Teófanes, bispo de Niceia, e o monge João. No dia seguinte a solenidade, a Igreja Oriental celebra a “Coletiva de São Gabriel Arcanjo”. Este é um costume antigo da Igreja Oriental de prestar honra depois de uma grande solenidade para aquelas pessoas que desempenharam um papel de destaque no evento celebrado pela solenidade.

A solenidade da Anunciação chegou ao Ocidente a partir do Oriente entre os anos 660 e 680. Assim como no Oriente, aqui também, ela foi considerada primeiramente uma solenidade do Senhor e teve vários nomes, tais como: “A Anunciação do Senhor”, “A Concepção de Cristo”, “A Solenidade da Encarnação”, “A Anunciação do Anjo à Puríssima Virgem Maria”, “A Anunciação de Santa Maria sobre a Concepção”. O Concílio de Toledo, no ano 656, fala da Anunciação sendo celebrada no dia 25 de março, mas a transfere para o dia 18 de dezembro. A razão para isto era que de acordo com uma antiga tradução de que nenhuma solenidade poderia ser celebrada durante a Grande Quaresma, e também porque parecia apropriado que a solenidade da Anunciação fosse próxima da solenidade da Natividade de Cristo do que da morte e Ressurreição. Até que no século XI todas as Igrejas no Ocidente novamente começaram a celebrar a Anunciação no dia 25 de março. Os armênios observam a Anunciação no dia 7 de abril porque eles observam a Natividade de Cristo e a Teofania no mesmo dia, isto é, dia 6 de janeiro. O evento da Anunciação é um tema precioso na iconografia.

A solenidade da Anunciação na Rus’-Ucrânia era a segunda solenidade mariana depois da Dormição, para qual uma igreja em Kyiv foi dedicada no primeiro século de cristianismo. O príncipe Yaroslav I, o Sábio, construiu uma igreja sobre os portões de ouro em Kyiv, em honra da Anunciação da Santíssima Mãe de Deus. “No ano 1037”, diz a mais antiga crônica, “Yaroslav fundou a grande cidade de Kyiv, que tem portões de ouro. Ele também construiu a igreja de Santa Sofia (a Sabedoria de Deus), que era a igreja do metropolita e então construiu a igreja de pedra da Anunciação da Santíssima Mãe de Deus sobre os portões dourados. O sábio príncipe Yaroslav construiu a igreja da Anunciação sobre os Portões Dourados para que a alegria pudesse sempre reinar na cidade pela Anunciação do Senhor e pela Oração da Mãe de Deus e do Arcanjo Gabriel”. Na igreja da Anunciação, o Príncipe Yaroslav, o Sábio, consagrou toda a nação ucraniana ao patrocínio da Mãe de Deus em 1037.

O Espírito do Serviço da Solenidade da Anunciação

A liturgia desta solenidade é repleta de glória e hinos alegres. A bem conhecida saudação do anjo é repetida inúmeras vezes: “Alegrai-vos!”. A razão para esta santa e sobrenatural alegria é a encarnação do Filho de Deus, o privilégio da Divina Maternidade e da Virgindade de Maria; e a redenção do gênero humano. Céus, terra e toda a criação compartilham da alegria da Anunciação. “Hoje é a alegre Anunciação”, nós cantamos nas estrofes posteriores das Vésperas, “a solenidade da virgindade. As criaturas da terra se unem com as dos céus. Adão é renovado e Eva é liberta de sua antiga tristeza…”. O segundo hino sessional das Matinas diz: “hoje toda a criação se alegra, pois o Arcanjo diz a vós: Vós sois a bendita, preciosa e Puríssima Mãe de Cristo Deus…”. O Cânon do serviço das Matinas é único porque é arranjado na forma de um diálogo entre a Santíssima Mãe de Deus e o Arcanjo. Por exemplo: “A Mãe de Deus: – ‘tendo ouvindo a alegre voz de vossas palavras, Gabriel, eu fui preenchida com a alegria divina, pois vós proclamais alegria e anunciai felicidade infinita’.”. “O Anjo: – ‘a vós é dada alegria, divina Mãe de Deus. Toda a criação, Virgem de Deus, clama a vós: Alegrai-vos! Pois vós, a sempre Virgem, foi escolhida como a Mãe do Filho de Deus’.”[5].

O Anjo fala à Santíssima Mãe de Deus com o mais profundo respeito e tem por ela, a Mãe de Deus, as mais altas palavras de louvor e admiração: “Gabriel levantou em vossa presença, serva, e revelou o plano eterno a vós. Ele vos saudou e anunciou: ‘Alegrai-vos, arbusto não queimado, abismo insondável. Alegrai-vos, noiva que conduz aos céus, alta escada que Jacó viu. Alegrai-vos, vaso do maná divino. Alegrai-vos, libertadora da maldição. Alegrai-vos, salvação de Adão. O Senhor é convosco!’.”[6].

A principal fonte desta alegria é a encarnação do Filho de Deus e nossa salvação: “… o ventre virginal recebe o Filho, o Espírito Santo é enviado, e o Pai nas alturas está bem satisfeito. Pela vontade universal, a reconciliação é realizada para todos. Vamos, quem foi salve nele e por ele, cantar com Gabriel à Virgem: Alegrai-vos, cheia de graça. Para nossa salvação, Cristo nosso Deus tomou nossa natureza humana de vós e se juntou a si mesmo. Por isso, implorai-Lhe para salvar nossas almas”[7].

[1] Tropário da solenidade.

[2] Lc 1,26-38.

[3] Jo 1,14.

[4] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Obras. v. VIII, p. 854.

[5] Ode 6.

[6] Estrofe de louvor das Vésperas.

[7] Estrofes posteriores das Vésperas.

Fonte: KATRIY, Yulian Yakiv. Conheça o seu rito: o ano litúrgico da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Roma: PP. Basiliani, 1982.

Pe. Yulian Yakiv Katriy, OSBM
(1912 - 2000) Doutor em Filosofia e autor de diversos livros.

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