A Natividade de Nosso Senhor – Um Mistério Incomensurável | Série: Conheça o seu Rito

“Eu vejo um maravilhoso e mais glorioso mistério: a gruta – é um céu; a Virgem – o Trono dos querubins; a manjedoura – o lugar onde o incompreensível Cristo-Deus nasceu; exaltemo-lo, cantando-lhe louvores.”

(Cânon do Natal).

O maior e mais profundo mistério da fé cristã é o mistério da Encarnação do Filho de Deus. O Deus eterno se tornou um pequeno infante e não cessou de ser Deus. “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” – diz são João Evangelista[1]. “O Deus eterno nasceu” – nós cantamos nas canções de Natal. A Natividade de Cristo é o berço de nossa fé. Apenas a fé é apta a aceitar este insondável mistério, entende-o e o aceita.

Nos primeiros séculos, os santos Padres da Igreja Oriental aceitaram o mistério da Encarnação do Verbo de Deus com profunda fé e grande piedade. Extasiados por este mistério, eles nada têm além de palavras de admiração para o maravilhoso amor de Deus, o sacrifício, humildade e pobreza do recém-nascido Messias e Salvador. Igualmente, dos seus lábios vieram exclamações de alegria celeste porque o tempo de salvação chegou.

Assim como os santos Padres, em suas celebrações de Natal a nossa Igreja também alegremente louva e glorifica o mistério do nascimento do divino Infante. Para o fortalecimento de nossa fé e um melhor entendimento deste mistério, nós citaremos aqui trechos dos sermões de Natal dos santos Padres e dos nossos serviços natalinos. Aqui nós direcionaremos nossa especial atenção para a grandiosidade, majestade e importância da Natividade de Cristo para a salvação do gênero humano.

A Majestade e a Importância da Natividade de Nosso Senhor

Os santos Padres primeiramente direcionam sua especial atenção à grandiosidade do mistério da Natividade. Em seu sermão de Natal, são Basílio Magno (m. 379) nos ensina como receber o mistério da Encarnação: “A verdadeira, primeira Natividade de Cristo, seu nascimento eterno de toda a eternidade no seio de seu Pai, deve ser venerado em silêncio. Nós não deveríamos permitir nossa mente a investigar este mistério. Desde que o tempo e o espaço não existiam, desde que nenhuma forma de expressão ainda não havia sido criada, desde que não há uma única testemunha ocular, nem alguém que poderia descrever este nascimento eterno, como a razão pode formar qualquer conceito para reflexão? Como pode a língua dar expressão dos pensamentos que não podem ser formulados? O Pai e o Filho nasceram! Não digais: ‘quando?’, mas, ao invés, deixe esta questão sem resposta. Não pergunteis: ‘como?’, pois não há resposta! Porque a palavra ‘quando’ sugere tempo, e ‘como’ sugere nascimento na carne… Deus está na terra, Ele está entre os homens, não em fogo nem em meio ao som dos trompetes; nem sobre a fumaça da montanha, ou na escuridão, ou na terrível e estrondosa tempestade que dá a lei, mas manifestou na carne, o Único gentil e bom habita com aqueles que condescende para fazer deles seus iguais. Deus está na carne e não agindo à distância, como fez com os profetas, mas através de sua natureza humana, um conosco, Ele busca devolver toda a humanidade para si mesmo”.

São Gregório, o Teólogo (m. 390), em seu sermão sobre as maravilhas da Natividade de Cristo no mistério da Encarnação, diz: “O próprio Verbo de Deus, eterno, invisível, incompreensível, incorpóreo, início do início, luz da luz, fonte da vida e imortalidade, uma reflexão da beleza original, um selo irremovível, uma imagem imutável, decreto e Verbo de Deus assume sua forma, portanto um corpo por causa do corpo, unindo-se a uma alma racional por causa da minha alma, purificando todo o ser, o Incriado é criado, o Incontável é contável por meio de uma alma racional, que é o elo intermediário entre Deus e o corpo terrestre”.

São João Crisóstomo (m. 407), em um de seus sermões de Natal, exalta o mistério da Natividade de Cristo nestas palavras: “Eu vejo um extraordinário e maravilhoso mistério: os pastores preenchem meus ouvidos com o som, cantando não um canto do deserto, mas um hino celeste. Os anjos cantam, os arcanjos louvam, os querubins imploram, os serafins exaltam, todos celebram, vendo Deus sobre a terra e o homem nos céus; o alto – abaixo, de acordo com seu plano, e o baixo – nas alturas, de acordo com o amor de Deus para com o homem. Hoje, Belém se torna os céus. Ao invés de estrelas, anjos cantando, e ao invés do sol, o indizível Sol da verdade. Não pergunteis como isso pode ser, pois sempre que Deus deseja, a ordem da natureza produz… Que a Virgem lhe deu à luz, isto eu sei, e que Deus nasceu no tempo, isto eu acredito, mas a maneira de nascer eu aprendi a reverenciar em silêncio…”[2].

Em outro sermão, ele diz: “Existe algo que poderia se igualar a esta solenidade? Deus na terra, e o homem nos céus, os anjos servem o homem, o homem se une aos anjos e aos outros Poderes celestes; os demônios fogem, a morte é conquistada, o paraíso é aberto, a maldição é quebrada, o pecado desapareceu, as ofensas são banidas, a verdade vem à terra. A natureza, contra a qual os querubins guardaram o paraíso, hoje é unida com Deus”[3].

Santo Atanásio, o Grande (m. 373), em seu sermão sobre a Natividade de Cristo, diz: “Até o casebre em que a Virgem deu à luz, assume a aparência de uma igreja onde a manjedoura – a proscomida; José – o celebrante; os pastores – os diáconos; os anjos – os sacerdotes; o Senhor – o bispo; a Virgem – o altar; os seios da mãe – os cálices; as vestimentas – a encarnação; os querubins – os ripídios; o Espírito Santo – o disco; e o véu do disco – o Pai”.

Santo Efrém, o Sírio (m. 373), cantou louvores à Encarnação com muita beleza, com hinos natalinos profundamente dogmáticos: “Era uma noite pura”, diz ele, “durante a qual o Puríssimo apareceu para nos purificar. Não deixemos nada se misturar com nossos sentimentos, que os poluam”[4]. “O dia da vossa Natividade uniu os céus e a terra, pois neste dia o Altíssimo se tornou humano”[5]. “O Altíssimo se tornou um bebê, mas nele estava escondido um tesouro de sabedoria”[6]. “O Altíssimo foi nutrido com o leite de Maria, enquanto todas as criaturas foram nutridas por suas riquezas”[7].

No serviço das Vésperas desta solenidade nós cantamos nas estrofes da Lítea: “Céus e terra estão unidos hoje porque Cristo nasceu. Hoje Deus vem à terra e o homem ascende aos céus. Hoje, Aquele que é invisível por natureza se torna visível na carne por causa do homem; então, glorificando-o, nós exaltamos: “Glória a Deus nas alturas e paz n terra aos homens de boa vontade…”. As estrofes posteriores das Vésperas dizem: “Um grande e glorioso milagre acontece hoje: uma Virgem dá à luz e o ventre permanece intacto. O Verbo se torna encarnado, mas não se separa do Pai; os anjos juntamente com os pastores cantam louvores, e nós, também, juntamente com eles cantamos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra”.

Traços Característicos da Encarnação 

Os outros aspectos da Encarnação do Filho de Deus que os santos Padres admiravam foram – sacrifício, humildade e pobreza: “Isto vos servirá de sinal”, disseram os anjos aos pastores, “encontrareis um recém-nascido envolto em faixas deitado numa manjedoura”[8]. Estas virtudes resplandecem por toda a sua vida; eles o acompanharão até a cruz e o seu sepulcro.

Em seu sermão de Natal, santo Atanásio exclama: “Quem não falará em alta voz, quem não se maravilhará com a vinda do Senhor? Nos céus ele é um homem livre, na terra ele é um mercenário; nas alturas ele é rico, embaixo ele é pobre. Nos céus ele está no Trono divino, na terra ele está na gruta; nos céus ele está no insondável seio do Pai, na terra ele está em um pequeno abrigo sem alma e na manjedoura. Quem não expressará maravilha nas grandes coisas do alto e nas pequenas faixas embaixo! Ele que desata está enfaixado; ele que nutre é nutrido. O incompreensível aparece como uma criança. Ele que faz as fontes jorrarem é nutrido a partir dos seios da Virgem. Ele que carrega toda a criação é indescritivelmente carregado!”[9].

São João Crisóstomo, ponderando sobre a Encarnação do Filho de Deus, diz: “Eu vejo o carpinteiro e a manjedoura, a criança e as faixas, o nascimento de uma Virgem que é carente de tudo o que é necessário; tudo é pobreza, tudo é destituição. Não vedes os ricos nesta grande pobreza? Como ele que é rico se tornou pobre por nossa causa? Como ele não tinha uma cama, mas foi disposto em uma simples manjedoura? Pobreza! Sois a fonte de riquezas! Imensuráveis riquezas que aparecem como pobrezas!”[10].

Santo Efrém, o Sírio, convida-nos a humildade e o amor de Cristo: “Hoje, quando Deus vem aos pecadores, que o justo não se levante acima dos pecadores. Hoje, o Senhor do universo chegou aos seus servos, que também o mestre condescenda aos seus servos em amor. Hoje, quando o Rico ficou pobre por nossa causa, deixemos também os ricos convidarem os pobres para sua mesa”[11].

O Mistério da Encarnação – Fonte de Alegria Sincera

Uma alegria celeste e angelical é a terceira característica que irradia dos sermões de Natal dos santos Padres e da nossa liturgia de Natal.

São João Crisóstomo inicia seu primeiro sermão de Natal com palavras de indizível alegria e entusiasmo: “Pelo que os antepassados ansiavam, pelo que os profetas predicaram e pelo que os justos queriam na terra, hoje aconteceu e foi cumprido: Deus apareceu na terra e habitou entre os homens. Por isso, meus amados, felizes nos alegraremos”. E em um outro sermão da Natividade ele expressa sua alegria: “E então, vendo todos alegres, eu também quero me alegrar e celebrar. Mas me alegro sem tocar a cítara, sem mover o arco de um violino, sem uma flauta em minhas mãos; eu nem mesmo acendo uma lamparina, mas ao invés de instrumentos musicais, eu aceito as faixas de Cristo. Elas são para mim – esperança; elas são para mim – vida; para mim elas são – salvação; elas são para mim – a flauta; elas são para mim – a cítara”[12].

São Gregório, o Teólogo, chamando todos à alegria, diz: “Cristo chegou na carne, exultem com tremor e alegria – com tremor, por causa do pecado – com alegria, por causa da esperança… Quem não adorará o Eterno? Quem não louvará o Último? Novamente a escuridão é dispersada, e de novo a luz aparece… Pois eu tenho certeza que os Poderes celestes se alegram e celebram hoje conosco, porque eles estão cheios de amor pelo homem e por Deus”.

Nossos serviços de Natal são repletos de melodias alegres e felizes. No serviço das Vésperas Solenes nós cantamos: “Hoje, os anjos se alegram nos céus e os povos exultam, e todas as criaturas saltam com alegria por causa do Senhor Salvador em Belém, pois todo o engano da idolatria cessou e Cristo reina para sempre”. Nas estrofes de Louvor, no serviço das Matinas, nós cantamos: “Único justo, contente-se; céus, alegrem-se; montanhas, saltem de alegria, pois Cristo nasceu. Como os querubins, a Virgem faz um trono, carregando em seu ventre o Verbo Encarnado de Deus. Os pastores contemplam Aquele que nasceu; os Magos estão oferecendo presentes ao Mestre. Os anjos estão cantando louvores, dizendo: incompreensível Senhor, glória a Vós”.

Os santos Padres e os autores dos nossos serviços natalinos não somente admiram e exaltam o mistério da Encarnação, mas também nos chamam para prestar adoração a Cristo e a presenteá-lo com nossa fé e amor, juntamente com a Santíssima Virgem Maria, são José, os anjos, os pastores e os Homens Sábios.

No serviço das Vésperas da solenidade, ao exaltarmos a Divina Criança, cantamos: “Cristo, o que deveríamos vos ofertar pela vossa vinda à terra como homem por nossa culpa? Toda criatura que teve seu início de vós, tende-vos graças: os anjos oferecem hinos de louvor, os céus dão uma estrela; os Magos presenteiam seus dons e os pastores, suas maravilhas; à terra provê uma gruta e o deserto uma manjedoura. E nós oferecemos uma Virgem Mãe, Deus, Vós que sois de toda a eternidade, tende piedade de nós”.

[1] Jo 1,14.

[2] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Obras. v. VI, p. 692

[3] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Obras, v. XII, p. 787.

[4] Hino I, 82.

[5] Hino IV, 14.

[6] Hino IV, 148.

[7] Hino IV, 149.

[8] Lc 2,12.

[9] Prólogo.

[10] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Obras. v. VI, p. 698.

[11] Hino I, 92-94.

[12] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Obras. v. VI, p. 698)

Fonte: KATRIY, Yulian Yakiv. Conheça o seu rito: o ano litúrgico da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Roma: PP. Basiliani, 1982.

Pe. Yulian Yakiv Katriy, OSBM
(1912 - 2000) Doutor em Filosofia e autor de diversos livros.

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