Prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida sobre Gregório de Nissa: a inteligência e a questão da mediação

Prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida

O Padre Capadócio, Gregório de Nissa (335–c. 394), centra as suas análises sobre o intelecto (νους) a partir de uma dupla expressão: há o intelecto divino e o intelecto terrestre, ou humano, que aspira a participar da vida e do conhecimento de Deus. Convém, todavia, notar que Gregório de Nissa enfatiza, sobremodo, o papel de mediação ou de entre-dois que exerce o intelecto humano, na medida em que este se situa no topo da criação sensível, isto é, acima dos brutos, e logo abaixo das criaturas inteligíveis. Na sua obra intitulada, A criação do homem, ao comentar o relato de Gênesis 1,26-27 – “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança… homem e mulher ele os criou” – o teólogo acentua o abismo intransponível ou a distância incomensurável que existe entre a criatura e o Criador. Esta é a razão pela qual, pondera Gregório: “Sendo duas coisas extremamente distantes uma da outra, o homem se apresenta como um meio-termo (μεσος) entre a natureza divina e incorpórea e a vida desprovida de razão dos animais” (L’uomo. Roma: Città Nuova, 2000, 16, p. 76).  Ele ajunta em seguida que, no composto humano, devem ainda considerar-se duas ordens distintas: aquela proveniente do divino, ou seja, a razão e a inteligência – que não admitem nenhuma diferença entre macho e fêmea – e a irracional, da qual participa a constituição somática caracterizada pelo macho e pela fêmea.  Em apoio ao que afirma com relação à primeira ordem, ele evoca a autoridade do apóstolo Paulo, que afirma na Carta aos Gálatas: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Acentue-se, porém, que, na ordem da criação do ser humano, Gregório de Nissa assinala o primado à inteligência, à qual seguem sua união e parentesco com o irracional. Para o teólogo, isto é tanto mais verdadeiro, que o relato do Gênesis diz em primeiro lugar: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1,26) e, somente depois, acrescenta a particularidade da natureza humana: “Homem e mulher ele os criou” (Gn 1,27).

Na mesma obra, A criação do homem, já se encontra no Capítulo 2 a ideia de o ser humano apresentar-se como o ápice da criação sensível. Para ilustrar esta ideia, Gregório se serve da metáfora do bom anfitrião que, segundo ele, não faz entrar os convivas antes de haver fartamente provido a mesa e adornado a casa com os atavios adaptados à ocasião. Assim também, por analogia, o Criador da nossa natureza, tendo antecipadamente preparado um variado e magnífico banquete, nele introduz o ser humano para que possa plenamente gozar das iguarias e da decoração a ele destinadas. Esta é a razão pela qual o ser humano, na criação, é colocado não somente como o topo ou o último elo dos seres sensíveis, mas também como o entre-dois ou o vínculo ligando o mundo sensível ao mundo das realidades inteligíveis. Donde também poder Gregório afirmar que, no ser humano, se encontram os dois princípios da criação, na medida em que o terreno e o divino se entrelaçam e, consequentemente, usufruem os bens um do outro: “os bens de Deus através da sua natureza mais divina, os bens terrenos através da homogênea sensação” (L’uomo. Roma: Città Nuova, 2000, 2, p. 34).

Consequentemente, o ser humano subsume, isto é, retém, condensa e, por assim dizer, sintetiza os elementos das realidades que se acham nos graus inferiores a ele e cuja base final é o reino inanimado, ou inorgânico. Não obstante, convém também salientar que este ínfimo grau é tão importante quanto os demais, pois ele é o substrato no qual se acham os minerais e os demais elementos indispensáveis à vida. Para Gregório de Nissa, todos estes graus estão, literalmente, inter-ligados, escalonando-se uns sobre os outros e culminando, justamente, no ser humano. Nesta escala, após as realidades inanimadas, vêm as plantas, que respiram e contêm os elementos nutritivos para o homem e para os demais seres vivos. Esta última forma de vida, que encerra em si os graus inferiores, ajunta àqueles a sensação, de sorte que os animais não somente se nutrem, se movem e crescem, mas também possuem a faculdade da percepção. No que diz respeito à natureza humana, esta não somente se nutre, se move e percebe, mas também participa da racionalidade, porquanto ela é dotada de inteligência, ou seja, de νους. É, pois, por esta faculdade que o ser humano aspira a participar ou, mais exatamente, a ser “imagem e semelhança” de Deus.

Para saber mais sobre este tema, assista ao episódio de Logos, o nosso podcast de filosofia, com o Prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida.

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