A Solenidade da Natividade de Nosso Senhor | Série: Conheça o seu Rito

“Exaltamo-vos, Cristo doador da vida, que por nossa causa hoje nasce na carne da Imaculada e Puríssima Virgem Maria.”

(Hino de Louvor da Solenidade).

No dia 20 de dezembro de 386 ou 388, são João Crisóstomo em um sermão sobre o aniversário de morte do mártir Filógono, bispo de Antioquia, anunciou para os seus fiéis que neste ano pela primeira vez em Antioquia seria celebrado a solenidade da Natividade de nossos Senhor no dia 25 de dezembro, independentemente da solenidade da Teofania. Ele também acrescentou que esta solenidade “pode sem erro ser chamada de mãe de todas as solenidades”, pois, “dela”, ele continua a dizer, “a Teofania, a santa Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes tem sua origem e fundação. Se Cristo não tivesse nascido na carne, não poderia ter sido batizado, e nós não teríamos a Teofania; ele não teria sido crucificado – nós não teríamos a Páscoa; ele não enviaria o Espírito Santo – nós não teríamos o Pentecostes. Portanto, da Natividade de Cristo, todas as outras solenidades fluem como diferentes cursos da mesma fonte. Esta solenidade justamente ocupa o primeiro lugar não apenas por causa disso, mas também porque o evento que neste dia é comemorado é, de todos os eventos, o mais digno de maravilhamento”.

Verdadeiramente, a Natividade de Cristo é o mais importante evento na história do gênero humano. Este evento inaugura a Era Cristã e se torna o ponto de referência do qual nós datamos os eventos da história do mundo.

A Natividade do Senhor nos Primeiros Séculos

Pelos três primeiros séculos, os cristãos não tinham uma solenidade separada da Natividade de Cristo. Naquele tempo, a única solenidade conhecida era a Teofania, que era celebrada no dia 06 de janeiro. Esta incluía a Natividade do Senhor e o Batismo de Cristo no Rio Jordão. Nos primeiros séculos de Cristianismo, a palavra grega Epifania (uma manifestação) ou Teofania (uma manifestação de Deus), referia-se não apenas a manifestação de Jesus Cristo durante o seu batismo, mas também a sua manifestação na terra, isto é, seu nascimento, sua natividade.

A antiga mistura destas duas solenidades e sua celebração simultânea no mesmo dia é claramente vista em sua idêntica composição em nosso serviço eclesiástico. O motivo da liturgia destas duas solenidades é um e o mesmo. Ambas têm uma vigília com jejum; ambas tem, na véspera, a Divina Liturgia de São Basílio Magno com Vésperas, e Horas Reais, a Grande Completa com o canto do hino “Deus está conosco…”, e na Liturgia, ambas tem o hino “Todos vós que fostes batizados…” e assim por diante. A diferença em seus serviços reside apenas em seus conteúdos.

Nos primeiros séculos da Igreja, especialmente na Igreja Ocidental, misturava-se não apenas a Natividade de Nosso Senhor e seu Batismo com a Teofania, mas também a homenagem dos Três Magos, o milagre em Caná da Galileia, o milagre da multiplicação dos pães, e em alguns lugares ainda a ressurreição de Lázaro, pois todos estes eventos davam testemunho para a Teofania – a manifestação de Deus na terra. Esta celebração de diversos eventos da vida de Jesus Cristo juntamente com a solenidade da Teofania era uma das razões principais do porquê a Igreja Ocidental ser uma das primeiras a separar a solenidade da Natividade de nosso Senhor da solenidade da Teofania e do porquê ela começar a celebrar esta solenidade em um dia separado.

A Solenidade da Natividade de Nosso Senhor no Ocidente

A solenidade da Natividade de nosso Senhor foi primeiramente separada da Teofania na Igreja Romana, que sob o papa Júlio I (337-352), começaram a celebrar a Natividade de Cristo no dia 25 de dezembro. O Cronógrafo de 354, que leva diferentes nomes, mas é conhecido também por Calendário de Fúrio Dionísio Filócalo, no capítulo que trata das datas das mortes dos mártires, sob o dia 25 de dezembro, estabelece: “o dia da Natividade de Cristo em Belém”. E em outro capítulo há a nota: “durante os mandatos de Cesar Augusto e Emílio Paulo, Cristo nasceu no dia 25 de dezembro numa sexta-feira, no décimo quinto dia da lua nova”.

Qual foi o principal motivo da Igreja Romana celebrar a Natividade de nosso Senhor no dia 25 de dezembro?

Em Roma, as festas pagãs em honra do deus Saturno ou Cronos seguiam do dia 17 até o dia 23 de dezembro. Estas celebrações eram chamadas de Saturnália. Imediatamente após estas festas, no dia 25 de dezembro, seguindo as grandes festas alegres em honra do “Sol Invicto”, em latim “Solis Invictus”. No dia 25 de dezembro de 274, o imperador Aureliano proclamou o deus Sol o chefe guardião do Império Romano e dedicou um templo a ele no Campo de Marte em Roma. A festa do deus Sol era celebrada no dia 25 de dezembro porque era o solstício de inverno, em que durante os dias que eram mais longos, o sol irradiava grande calor naquela época. Este dia era guardado como o aniversário do sol e o seu triunfo sobre as trevas da noite.

No calendário de Fúrio Dionísio Filócalo mencionado anteriormente, que dá ambas as festas pagã e cristão, sob o dia 25 de dezembro, é também notado: “Natalis Invicti”, isto é, “O Nascimento do Invencível”. O termo “invencível” é o epiteto usual dos deuses e, neste caso, do deus Sol.

Portanto, a fim de neutralizar a Roma pagã, a Roma cristã substituiu o deus Sol como seu Sol cristão – o Deus-homem e dedicou o dia 25 de dezembro ao seu nascimento. Os santos Padres em seus sermões de Natal e os nossos serviços de Natal chamam Cristo de o Sol da Verdade ou o Sol da Justiça.

Embora a Igreja Romana celebrasse a Natividade de Cristo no dia 25 de dezembro, por algum tempo, outras Igrejas no Ocidente ainda a celebravam no dia 06 de janeiro juntamente com a Epifania (Teofania). Durante a vida de santo Ambrósio (m. 397), a solenidade da Natividade se difundiu até Milão, posteriormente (em algum tempo antes de 384) até a Espanha e o Norte da África, e então durante o tempo do Bispo Perpétuo de Tours (m. 491) até a Gália, atual França, e para outros países da Europa.

Desde o momento em que o dia 25 de dezembro se tornou o dia da solenidade da Natividade de Cristo, ele também lentamente começou a ser lembrado como dia histórico do nascimento de Cristo. Até aquela época, havia muitas opiniões e disputas a respeito da data do nascimento de Cristo, já que o Evangelho não faz dela.

São Clemente de Alexandria (c. m. 215) diz que durante o seu tempo, alguns lembravam o dia 20 de maio como o dia do nascimento de Cristo, outros o celebravam no dia 06 ou 10 de janeiro, mas de acordo com ele, o nascimento ocorreu no dia 18 de novembro. Em um escrito dos séculos III e IV, atribuído a são Cipriano, uma alusão é feita ao dia 28 de março como o dia do nascimento do Salvador. Em uma inscrição encontrada na estátua de santo Hipólito de Roma (c. m. 235), o dia 25 de março era dado como a data da Natividade de Cristo. No comentário de santo Hipólito sobre o Livro do Profeta Daniel, nós temos a seguinte observação: “A primeira manifestação do Senhor na carne, quando ele nasceu em Belém, ocorreu numa quarta-feira, em 25 de dezembro, no 42º ano de Augusto (os 5500 anos desde Adão). Santo Epifânio de Chipre (m. 403), em uma disputa com os alogoi[1], prova que o nascimento de Cristo toma lugar no dia 06 de janeiro e o seu Batismo no dia 08 de novembro.

A determinação da data da Natividade de Cristo influenciou a fixação das datas de outras solenidades dependentes dela, como a Circuncisão, a Apresentação, a Anunciação e a Natividade de são João Batista. O mais antigo sermão sobre a Natividade de nosso Senhor é o encontrado na Igreja Ocidental escrito por Zenão de Verona (m. 380).

A Solenidade da Natividade de Nosso Senhor no Oriente

Seguindo o exemplo da Igreja do Ocidente, lentamente as Igrejas Orientais começaram a celebrar a Natividade de Nosso Senhor no dia 25 de dezembro. Três grandes Padres da Igreja Oriental tiveram um papel decisivo a este respeito: são Basílio Magno, são Gregório, o Teólogo e são João Crisóstomo. São Basílio Magno (m. 379) foi o primeiro a celebrar a Natividade de nosso Senhor no dia 25 de dezembro na Capadócia entre os anos 371 e 374. Um sermão sobre a Natividade de nosso Senhor é atribuído a ele. Sob sua influência, são Gregório, o Teólogo (m. 390) introduziu esta festa em Constantinopla. No dia 25 de dezembro ele iniciou seu sermão com estas palavras: “Cristo nasceu – glorifiquemo-lo! Cristo desceu dos Céus – saudemo-lo! Cristo se manifestou na terra – louvemo-lo!”. Então, ele diz posteriormente: “Hoje é a solenidade da Teofania, ou Natividade, assim este dia é também chamado, e ambos os nomes são dados para uma solenidade, pois Deus se manifestou à humanidade nascendo na carne… Da palavra manifestação – nós temos o nome Teofania (manifestação de Deus), e da palavra nascimento – Natividade. Esta é a solenidade que estamos celebrando hoje – a vinda de Deus à humanidade…”

São João Crisóstomo (m. 407) introduziu a solenidade da Natividade de Cristo com grande zelo em Antioquia em 386 ou 388. Em seu sermão sobre o dia 25 de dezembro, exaltando a Natividade de Cristo, ele expressou sua alegria nesta celebração: “Há muito tempo eu esperei para ver este dia”, ele diz, “e não apenas para vê-lo, mas também para celebrá-lo com uma grande multidão de pessoas. Eu rezei incessantemente para que o nosso encontro fosse grande em número como está sendo hoje, e isso aconteceu que a oração se cumpriu. Embora dez anos ainda não tivessem se passado desde que esse dia se tornou conhecido e familiar para nós, parece que foi transmitido desde os primeiros tempos, pois se tornou tão exaltado. Por isso, alguém poderia dizer que esta solenidade é nova e ao mesmo tempo antiga – nova, porque ela se tornou conhecida há pouco tempo; antiga, porque rapidamente alcançou igualdade com as mais antigas solenidades e foi elevada ao mesmo nível”.

Em seu sermão ele defende o dia 25 de dezembro como o dia real do nascimento de Cristo, dando como prova a rápida propagação desta solenidade e a grande estima em que os fiéis a sustentaram. Uma prova disso é também encontrada nos documentos que foram preservados em Roma sobre o censo de Cesar Augusto. Finalmente, de acordo com ele, o fato que a concepção de Jesus Cristo ocorreu seis meses depois da concepção de João Batista prova que o dia 25 de dezembro é a verdadeira data. Então se a concepção de Jesus Cristo ocorreu em março, então sua natividade deve recair em dezembro.

Um pouco mais tarde, uma nova solenidade entrou em prática em dois outros centros do então mundo cristão: Alexandria e Jerusalém. No entanto, durante muito tempo, certas igrejas do Oriente celebraram a Natividade de Cristo juntamente com a Teofania no dia 06 de janeiro até hoje. Os católicos armênios, sob pressão de Roma, celebram a Natividade de Cristo no dia 25 de dezembro desde o século XVI.

Mais tarde, quando a Natividade de Cristo no Oriente se tornou uma solenidade à parte, a Teofania, celebrada no dia 06 de janeiro, comemora somente o evento do batismo de Cristo.

Romano, o Melodista, patriarca Germano, André de Creta, João Damasceno, Cosme de Jerusalém e patriarca Anatólio, compuseram a liturgia ou o serviço para a solenidade da Natividade de nosso Senhor.

No século IV, santa Helena, a mãe do Imperador Constantino, o Grande, construiu uma igreja em Belém em honra da Natividade de Cristo. Uma lei relativa à celebração universal da solenidade da Natividade do Senhor é encontrada no Código de Teodósio de 438 e no Código no Imperador Justiniano de 535.

[1] Nome dado aos heréticos que negavam a divindade de Cristo como o Lógos.

Fonte: KATRIY, Yulian Yakiv. Conheça o seu rito: o ano litúrgico da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Roma: PP. Basiliani, 1982.

Pe. Yulian Yakiv Katriy, OSBM
(1912 - 2000) Doutor em Filosofia e autor de diversos livros.

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