A ética estoica: lei natural e o lugar do homem

Os esforços na ética estoica, a grosso modo, assentam-se na eudaimonia – a felicidade proveniente da vida racional, pelo exercício da virtude. Não se trata, assim, de uma entrega sem critérios às paixões, mas a um exercício do autoconhecimento, do “conhece-te a ti mesmo” para que, reconhecendo seu lugar no mundo, o homem possa se apegar ao necessário e desprender-se do supérfluo. Em outras palavras, não se permitir o apego apaixonado às coisas que ontologicamente não lhe pertence.

O imperativo desta ética é seu caráter obediente a uma lei natural. Tudo o que é transmitido pelo filósofo deve assumir a responsabilidade, explicitamente, de correspondência entre aquilo que fazemos e leis que promulgamos com uma realidade além do gênero humano, uma espécie de ordenamento imanente à natureza (physis). Se o homem deseja ser feliz, para um estoico, é necessário que aceite seu destino como um curso natural inerente à sua existência, e combata as paixões em vista de não perder a tranquilidade da sua alma.

A ideia de uma lei que seja natural, isto é, uma ordem que esteja no fulcro da natureza, subjacente a ela, trata-se de um conceito amplamente discutido em toda a história da filosofia e profundamente estudado no âmbito do direito natural. A concepção desta ordem é de que, intrínseca a toda a realidade que vemos, existe algo racional que a tudo ordena e promove, e que é orgânico. Se assim o for, a questão que emerge é se é possível ao homem se opor a toda essa dança universal, indo contra a natureza. Um segundo dilema é se essa lei natural realmente existe ou aludiria a uma crença do homem em algo superior, já que foge de seu controle.

Quando os jônicos, no trabalho de investigar o princípio originário de todas as coisas, procuravam pensar a partir da natureza, implicitamente percebemos uma sensibilidade contemplativa a uma organização desse universo. Os aforismas a nós transmitidos dão a entender as observações feitas pelos naturalistas de um todo universal, dotado de uma ordem que promove, por exemplo, o movimento dos astros, o surgimento das plantas a partir da terra úmida, o desaparecimento dos indicadores de vida na natureza – decomposição vegetal –, enfim, as realidades sensíveis.

Dessa forma, já entre os filósofos da natureza encontramos a intuição de um logos universal, uma regência inteligente e racional que a tudo envolve e coordena. Isso fica um pouco mais claro em Heráclito de Éfeso, quando desenvolve a ideia de uma espécie de inteligência que a tudo dispõe de maneira imparcial – que justamente denomina como logos. Ora, por meio da contemplação vertical das realidades superiores, os pré-socráticos já identificaram elementos que estarão nas bases dos sistemas morais de seus sucessores helenísticos.

Em Zenão, no estoicismo primitivo, encontramos a essência de uma moral que justamente parte, sumariamente, da postulação de normas com a intenção de colocar o homem à semelhança das universais. Em outras palavras, uma vez que contempla a realidade à sua volta e na qual está inserido, pode o homem, de maneira espelhada, estabelecer princípios que tragam à sua sociedade semelhante harmonia. A ideia fundamental dada pelo filósofo é de que, em meio a esse ordenamento perfeito e rigoroso, sob a determinação de uma providência divina, o homem constitui uma parte mínima desse universo, um microcosmo.

Se partirmos da premissa que o homem, uma vez respeitando essa lei que lhe é naturalmente superior, assume a existência de um ecossistema do qual ele faz parte, precisamos, pois, sugerir o lugar que ocuparia nesse cosmo. A pessoa deve, para o estoicismo, procurar em sua contemplação lógica a melhor maneira de imprimir em si essa organização que lhe é superior. Seria melhor dizer, ainda, reconhecer-se como micro realidade também organizada pela mesma inteligência providente.

A virtude consiste, então, na obediência a essas características orgânicas normativas, apreendidas racionalmente pelo homem. Deve, pois, ajustar-se moralmente a uma realidade da qual não pode escapar, tampouco opor-se, sendo a atitude mais conveniente de submissão. Dessa forma, encontramos o lugar do homem no mundo: enquanto ser moral tem a responsabilidade de criar as adequadas condições para si e seus semelhantes de viverem em conformidade com a natureza – o que conduz, no pensamento de Epicteto, à eudaimonia.

Referências:

ALMEIDA, Rogério Miranda de. A fragmentação da cultura e o fim do sujeito. São Paulo: Loyola, 2012.

BRUN, Jean. O Estoicismo. Lisboa: Edições 70, 1986.

FRAILE, Guillermo. Historia de la Filosofia I: Grecia e Roma. 2. ed. Madrid: Catolica, 1965.

Autor: Leonardo Pablo Origuela Santos, estudante do 1º ano do curso de Filosofia da FASBAM e seminarista da Ordem de Santo Agostinho.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo