Confirmar a fé pela razão: a tentativa para provar a existência de Deus de Santo Anselmo

Não somos só nós, homens modernos, que desejamos confirmar pela razão as tradições culturais. Ainda no período medieval, Santo Anselmo, nascido em Aosta, na Itália, e bispo de Cantuária, no Reino Unido, procurou demonstrar racionalmente a existência de Deus. Para isso, na sua obra Proslogion, ele desenvolveu o Argumento Ontológico para a Existência de Deus, que procura prová-la sem utilizar qualquer premissa derivada da experiência. É claro que, com sua tentativa, não deixou de receber críticas dos seus contemporâneos e de outros filósofos até os dias de hoje.

Santo Anselmo escreve esta obra para tentar simplificar os pensamentos que publicara em Monologion, outra obra sua. O Proslogion, mais curto e simples, é um texto fácil de ser apreciado com trechos muito ricos em beleza, espiritualidade e, é claro, em filosofia. Entretanto, pode ser que alguns leitores, não acostumados com o estilo filosófico, o considerem complicado. Por isso vamos tentar expor de forma ainda mais didática o Argumento Ontológico.

Poderíamos reorganizá-lo em três passos. No primeiro passo o filósofo nos exige pensar em Deus, o que certamente fazemos. Segundo Santo Anselmo, não ninguém que não o tenha na mente. Ou, em outras palavras, não há mente na qual ele não exista (isso será importante mais adiante). No segundo passo, ele caracteriza Deus como sendo o “ser do qual não se pode pensar nada maior”. Vamos explicar isso com calma. Trata-se, pois, de algo semelhante à ideia de um número natural infinito: para qualquer número que você pensar e especificar, sempre é possível imaginar um maior. De forma semelhante, qualquer concepção mesquinha que formemos de Deus seria contraposta pelo Filósofo com uma concepção semelhante acrescida de uma perfeição. Por exemplo, se você pensar que em um deus bom e onisciente, mas cheio de limitações, ele lhe mandaria pensar num Deus bom, onisciente e onipotente. Quando você dissesse que consegue pensar na segunda concepção, a primeira teria de ser descartada, porque pensar um Deus onipotente é pensar em algo maior do que um deus não onipotente. E a melhor candidata a nova concepção seria nossa nova proposta de Deus bom, onisciente e onipotente. Repetindo esse processo, poderíamos chegar à ideia do “ser do qual não se pode pensar nada maior”.

Por fim, o último passo do nosso argumento é quando o filósofo nos pergunta se esse Deus que pensamos existe fora do nosso pensamento ou não? Lembrando que ele existe ao menos no nosso pensamento, já que o pensamos. Se dissermos que sim, então o filósofo não nos precisa convencer! Mas se negarmos, ele nos questionará se um Deus que existe fora do pensamento não é maior que um que existe apenas no pensamento. Se você se sente forçado a afirmar essa ideia, então você pode facilmente chegar à mesma conclusão que o nosso pensador: é impossível pensar em um Deus que é o ser do qual não se pode pensar nada maior” mas, ao mesmo tempo, existe apenas no pensamento.

Desde que Santo Anselmo propôs ao mundo esse argumento, várias pessoas têm se sentido incomodadas por ele: talvez você também tenha se sentido, mas não saiba dizer o porquê. E foi para isso que outros filósofos buscaram encontrar a falha do Argumento Ontológico. Ainda na Idade Média, Gaunilo apresentará já uma crítica ao argumento, afirmando que o mesmo argumento provaria a existência de uma ilha perfeita. Durante toda a história outros pensadores tentaram dar uma resposta a este argumento: Santo Tomás de Aquino, outro filósofo cristão, também criticou esse argumento, mas propôs outras 5 vias para a demonstração da existência de Deus. Na Idade Moderna, Immanuel Kant não só criticou o argumento de Santo Anselmo como também as 5 vias de Santo Tomás e afirmou ser impossível provar a existência de Deus racionalmente. Por fim, os filósofos analistas contemporâneos têm buscado mostrar, por meio da moderna notação lógica, as falhas deste argumento.

Na minha opinião, o argumento o Argumento Ontológico tem ao mesmo tempo uma fraqueza e uma força tremenda. A fraqueza está em sempre deixar um certo gosto de falácia. É desse gosto que os analíticos tiram suas provas. Bertrand Russell, na sua História da Filosofia Ocidental, chegará a dizer que é fácil se convencer de que há uma falácia, mas muito difícil de encontrá-la. Simultaneamente, sua força está em que, apesar das provas contrárias, sempre dá a impressão de que pode ser reinventado de tantas formas quantas forem necessárias para vencer os contra-argumentos: basta vermos, por exemplo, as reformulações que fizeram os filósofos, como Descartes e, principalmente as reformulações que se utilizam da lógica modal.

Agora que você já entendeu esse argumento e percebeu o quantas discussões filosóficas ele já provocou, aproveite para ter uma boa conversa com seus amigos!

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