A Importância da Filosofia na Formação Sacerdotal da Igreja Católica

A Filosofia tem um papel fundamental na formação dos sacerdotes da Igreja Católica, mesmo com a concepção recorrente e comum da doxa, e até mesmo da episteme, de que fé e razão não se complementam, que religião e ciência são antagônicas ou até mesmo que a filosofia se ocupa com reflexões mundanas e ateias com as quais um futuro presbítero católico, cuja missão seria somente a de anunciar o Evangelho e fazer a mediação entre o divino e humano, não precisaria se aprofundar. Todavia, não poderíamos aceitar tais proposições acerca da inutilidade dos princípios filosóficos na vida e missão de um padre, pois, observando a história da humanidade e o caminho que ela percorre com o pensamento humano e com as religiões de todas as épocas e povos, vemos que fé e razão nunca se contradizem, seriam, como diz a carta encíclica de São João Paulo II, Fides et Ratio[1], “duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”, pois ambas trilham para uma mesma direção, ou pelo menos deveriam trilhar, como o fragmento papal bem afirma, rumo à verdade absoluta. E é nessa perspectiva que a Filosofia se enquadra, sendo ela, etimologicamente afirmando, o amor à sabedoria, tem como impulso primordial encontrar a verdade ou o princípio último de todas as coisas (concepção defendida desde os pré-socráticos no século VIII a. C.), como disse São Tomás de Aquino, a Filosofia se ocupa com “a natureza das coisas mesmas e não do que as pessoas acham”; nesse sentido, filosofia e religião não podem ter verdades contraditórias, mas verdades que se complementam e que sejam comuns.

Para tanto, é que a Igreja defende o estudo da Filosofia como instrumento basilar para o estudo da fé, na medida em que, sem a mesma, a religião cristã se torna “idiotizante” e perderia credibilidade; é necessário portanto dar razões à fé e demonstrar por meio de argumentos rigorosos e racionais que a Revelação Divina possui verdade e é verdadeira, pois como São Pedro diz em sua carta neotestamentária: Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês[2]. É preciso, pois, que o presbítero, homem moldado à luz da fé, já antes em sua formação seminarística, tenha a Filosofia e a Razão como sustentáculo por meio da qual defenderá as verdades da fé, dentro da Sagrada Teologia.

Desse modo, a Igreja Católica indica e estabelece o estudo filosófico desde os primeiros anos da formação sacerdotal, para que o seminarista, imbuído de tal arte, possa crescer nesse amor à verdade, rigorosamente pesquisada, observada e demonstrada, que para os cristãos, não é somente uma ideia, mas uma pessoa, Jesus Cristo.

A Igreja, em seu Magistério, fala dessa importância da Filosofia em vários documentos para a formação sacerdotal, como por exemplo na Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II, Optatam Totius[3], que afirma que a Filosofia deve ser ensinada ao candidato ao sacerdócio de uma forme que os mesmos se sintam conduzidos a obter um conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus, embasados num patrimônio filosófico perenemente válido. De tal forma que consigam associar a Filosofia aos verdadeiros problemas da vida e aos mistérios da salvação, que são estudados na Teologia. O decreto ainda dá valor às “filosofias” modernas e a outras investigações científicas, para que os estudantes estejam preparados para um diálogo com os indivíduos de seu tempo.

Além disso, há um outro testemunho que a Igreja carrega na defesa dos estudos filosóficos, explicitado por Monsenhor Diniz Micosz, em seu pequeno discurso de paraninfo de uma turma de um Instituto de Filosofia do Seminário de Maringá, em 22 de novembro de 1994, chamado “A importância da Filosofia na formação dos presbíteros da Igreja Católica, Apostólica, Romana”[4], que é uma carta da Congregação para a Educação Católica de 1972, onde está contido que a Filosofia é necessária ao sacerdote porque é ela que trata dos temas eternos do pensamento humano como o sentido da vida e da morte, o sentido e os valores do bem e do mal, o fundamento dos valores morais, a dignidade e os direitos do ser humano; o escândalo do sofrimento, da injustiça, da opressão e da violência; a natureza e as leis do amor, a origem e a desordem na natureza; os problemas relacionados à educação, à autoridade, à liberdade; etc. Também, porque a Filosofia é uma ciência autônoma em relação às outras ciências experimentais que não só registra, descreve e ordena os fenômenos, como as demais, mas compreende o seu verdadeiro valor e o seu sentido último; porque a adesão da fé passa, inevitavelmente, pelos motivos de credibilidade, como anteriormente já citada, que são de caráter filosófico; e, porque só com a reflexão filosófico se consegue dialogar com outras crenças e com a descrença, tão comuns em nossa sociedade cada vez mais plural.

Por fim, é mister ainda ressaltar que todo esse patrimônio filosófico adquirido ao longo de toda a formação sacerdotal, tanto a de preparação ao sacerdócio como a permanente, servirá para a pregação apostólica, para a evangelização pastoral e para o cuidado espiritual do “rebanho do Senhor”. Na medida em que o caminho da fé e da adesão a Cristo se faz por meio da razão e do pensamento, pois tanto Jesus como os apóstolos argumentaram tanto com fariseus quanto com gregos pagãos. Pode-se inferir, obviamente, que o conteúdo desses argumentos era de ordem mística, inexplicável e da revelação, todavia, eram argumentos, realizados por atividade racional. E, além disso, a maior parte dos problemas que possuem os discípulos de Jesus, ainda nos tempos hodiernos, são mais de caráter filosófico do que de fé, problemas existenciais e perca do sentido da vida, nesse sentido, se se perde a confiança em si mesmo e em sua própria verdade, como será possível confiar em Deus e na comunidade de fiéis? É necessário, portanto, utilizar a ajuda da Filosofia também para as curas da alma.

O pensamento racional e filosófico, desse modo, liberta o homem da escuridão de suas ilusões e deve libertar também o candidato ao presbiterado da mediocridade e da ignorância, para que seja verdadeiramente um homem de fé, mas que exerce a razão, uma de suas dimensões mais marcantes e essenciais.

Autor: Guilherme Costa Fernandes, estudante do 2º ano do Curso de Filosofia.

 

[1] Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. São Paulo: Paulinas, 1992. p. 5.

[2] Cf. 1Pd 3, 15.

[3] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, 1962-1965, Vaticano. Decreto Optatam Totius. In: VIER, Frederico (Coord.). Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 29. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 519-520.

[4] Cf. MIKOSZ. Diniz. A importância da Filosofia na formação dos presbíteros da Igreja Católica Apostólica Romana. In: Profissões de fé. Curitiba, 2016. p. 25-26.

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