A caridade nos fundamentos morais de Arthur Schopenhauer

Arthur Schopenhauer, em sua obra Sobre o fundamento da moral, na busca de uma motivação pessoal genuína e sem egoísmo, traz um aparato histórico sobre as virtudes, assim, ele afirma que a justiça sempre foi uma preocupação dos grandes filósofos desde a Antiguidade, como Platão ou Aristóteles, no entanto, a caridade, por vezes traduzida como ágape ou caritas, não foi tão elaborada por eles e nem chegaram a estabelecê-la como uma virtude. A caridade sempre existiu nos pensamentos acerca da moral, não pode ter sido uma presença demasiada ambiciosa ou expressiva, mas em outros termos ela pode ser vista através de um olhar mais minucioso. Somente a partir da ascensão do cristianismo é que foi ficando reconhecida como uma das mais belas virtudes, principalmente na região da Europa, pois, já na Ásia, há milhares de anos antes, o amor ao próximo era entendido como ilimitado e objeto de doutrina e prescrição prática[1].

Diante da virtude da caridade, podemos chegar à um grau de compaixão, explicitado por Schopenhauer, que é transformar o sofrimento alheio em algo próprio. Com isso, o ser humano é capaz de participar do sofrimento alheio, ter uma vívida e profunda experiência que é sentida ao ver algo grave e urgente, que se manifesta num motivo puramente moral, sendo impulsionado a fazer um pequeno ou grande sacrifício devido a carência ou necessidade que uma pessoa possa estar passando, podendo consistir no esforço humano através de suas forças espirituais e corporais, da sua liberdade, da sua saúde, e até mesmo da sua própria vida. É aqui que podemos encontrar a única e clara origem da caridade, da caritas ou da ágape, que está na justiça, cuja máxima é “omnes quantum potes, iuva”, ou seja, “ajuda a todos quanto puderes”[2].

A temática da virtude da caridade é algo pertinente na vida do homem, e esta participação do homem nos tormentos da humanidade ou de uma pessoa apenas só terão valor moral se ela partir de algo que seja fora de si mesmo, não apelando ao egoísmo, mas sim ao contentamento íntimo que podemos denominá-lo de consciência boa, pacifica e aprovadora. Esta participação não deve provocar apenas o que está executando uma boa ação, porém, o observador também é chamado para contemplar e, com isso, despertar em si a aprovação, a admiração, o respeito e o sentimento de humilhação de si mesmo. Ora, o homem pode ser movido a partir de três principais classes ou bens gerais: primeiro, o bem próprio; segundo, o sofrimento alheio; e o terceiro, o bem alheio.

Quanto ao último, Schopenhauer descreve que é visto nos homens de forma esporádica, não é muito comum, temos o exemplo em que o homem procura agir bem, mas sem a intenção de fazer o bem para o outro, e sim para ofendê-lo e tornar o seu sofrimento ainda mais sensível; ou ainda, envergonhar uma pessoa fazendo o bem que ela não fez. De fato, Schopenhauer, fazendo alusão às Sagradas Escrituras, coloca a justiça como o conteúdo ético do Velho Testamento, enquanto que a caridade faz parte do Novo Testamento. A caridade é, portanto, entendida como “a “kainè entolé”, [o novo mandamento] (João 13, 34), na qual, de acordo com Paulo (Romanos 13, 8-10), estão contidas todas as virtudes cristãs”[3].

Com isso, A. Schopenhauer chega à uma conclusão: “a verdade agora expressa de que a compaixão é a única motivação não egoísta e a única genuinamente moral”. Ela é confirmada pela experiência e pelos expressivos sentimentos gerais do ser humano. O homem pode ser bom, mas isto dependerá de uma coisa, como escreve Lessing em uma carta datada do ano de 1756, que diz: “O homem mais compassivo é o homem melhor, o mais inclinado para todas as virtudes sociais e para todas as formas de magnanimidade”, ou ainda, para concluir, Schopenhauer cita Jean-Jacques Rousseau, utilizando-se das seguintes palavras:

É pois bem certo que a piedade é um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo o amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie, é ela que nos leva sem reflexão em socorro daqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, faz as vezes de lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que impede todo o selvagem robusto de arrebatar a uma criança fraca ou a um velho enfermo a sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua alhures; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada, faz a outrem o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil, talvez, do que a precedente: faz o teu bem com o menor mal possível a outrem[4].

Autor: João Luiz Santana Zago, estudante do 3º ano do Curso de Filosofia da FASBAM.

Referência bibliográfica

SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

[1] Cf. SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 151.

[2] Cf. SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 152.

[3] Sobre a relação das Sagradas Escrituras com os fundamentos morais da virtude da caridade, Schopenhauer afirma: “Em suma, assim que o meu alvo for qualquer outro que não somente o puramente objetivo, em que ajuda ao outro para tirá-lo da sua necessidade e dificuldade e por querer sabe-lo livre de seu sofrimento- e nada além disso!- só então e unicamente provei realmente aquela caridade, “caritas, “ágape”, cuja pregação é o grande e extraordinário mérito do cristianismo”. Cf. SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 154.

[4] Cf. SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 178.

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