As virtudes como sinais de divinização | Série: A Ascese que Ilumina

O apóstolo Paulo afirma que o Evangelho é a força de Deus que é dada ao homem pela fé; é a força pela qual vive o justo (cf. Rm 1, 16-17). Essa força de Deus é chamada pelo apóstolo de “virtude”, designando as potencialidades interiores da pessoa que é renovada em Cristo, sua capacidade para o bem (v. Fl 4, 8-9). Pela virtude, o homem torna-se capaz de viver e agir em Cristo.

Os santos Padres consideravam que a virtude é uma capacidade ínsita na alma humana, fonte de energias naturais que se descobrem e se aperfeiçoam em cooperação com a graça de Deus. A virtude é o poder e a capacidade da pessoa humana, criada à imagem de Deus, de assemelhar-se a Deus, atingir a divinização[1].

A vida na fé, na esperança e no amor

a. A fé, fundamento da vida cristã

O metropolita Andrey Scheptetskei diz: “Como o céu dista da terra, tal é a distância entre o crente e o descrente… Obviamente, trata-se do crente que tem uma fé forte e viva. Somente tal fé dá a vida eterna, somente tal fé salva (v. Tg 2, 14-16), somente tal fé nos conduz da morte para a vida, somente tal fé nos dá «o poder de tornarmo-nos filhos de Deus» (cf. Jo 1, 12)”[2].

A fé é a abertura da pessoa inteira para a ação do Espírito Santo e para a união pessoal com o Cristo ressuscitado. Em diferença das pretensões não-cristãs de busca da perfeição, que se apoiavam unicamente em forças humanas, o cristianismo traz novo e verdadeiro fundamento da santidade e da justiçado homem: é a fé em Jesus Cristo.

A fé fundamenta o princípio da nova criatura no sacramento do Batismo (v. 2Cor 5, 17). Quem crê em Cristo despe o homem velho e se reveste do homem novo (cf. Ef 4, 22-24). O apóstolo Paulo descreve a vida de fé como a vida de Cristo em nós e como nossa vida em Cristo (v. Gl 2, 20-21; Fl 1, 21).

A fé constitui o fundamento da moral cristã. É o princípio da vida e da ação virtuosa. A fé é, antes de tudo, dom de Deus, recebido no Batismo; ela é a grande força espiritual do homem e ao mesmo tempo a sua vocação. A fé confere o conhecimento de Deus e das coisas invisíveis (cf. Hb 11, 1). Ela precede a esperança e a caridade, porquanto estas estão correlacionadas com a verdade, que pode ser apreendida somente pela fé; ela como que infunde a verdade no íntimo da pessoa humana[3].

Pela virtude da fé, o homem torna-se capaz de observar os três primeiros mandamentos de Deus. A fé torna a pessoa disponível para Deus e une-a, no seu interior, com o Criador e Salvador. Somente na fé é que a pessoa se torna apta a adorar o único Deus em espírito e verdade. A verdadeira fé exclui a adoração de qualquer outra divindade, a bruxaria, a superstição e a magia, que são transgressões do primeiro mandamento de Deus: “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20, 3; Dt 5, 7).

O apóstolo Paulo diz que o cristão é o justo que vive da fé (cf. Rm 1, 17). A vida de fé impele o cristão a glorificar o nome de Deus. O Espírito Santo, que age no cristão, clama da sua interioridade: “Abba, Pai!” (Gl 4, 6), isto é, ensina a glorificar retamente o Pai em Cristo. O cristão, instruído pela virtude da fé sobre a santidade e majestade do nome de Deus, é apto para observar o segundo mandamento de Deus: “Não pronunciarás em vão o nome do Senhor teu Deus” (v. Ex 20, 7; Dt 5, 11). Ele não falará blasfêmias, não fará perjúrio, evitará as imprecações, a profanação de coisas sagradas, etc.

No domingo, a Igreja de Cristo celebra o Dia do Senhor, que os Padres da Igreja chamavam de “Pequena Páscoa”. No Batismo, o homem de fé torna-se participante do mistério pascal. Por este fato, ele se une espiritualmente com a Liturgia da Igreja, e por isso todo o cristão é chamado a participar da celebração litúrgica. A nossa participação na Divina Liturgia aos domingos e dias de festa é expressão e confirmação da unidade de fé e caridade com Deus e com a Igreja. Por isso, Deus ordena no terceiro mandamento: “Guardarás o dia santificado”[4] (cf. Ex 20, 8-10; Dt 5, 12-15). Além da participação na Divina Liturgia e em outras celebrações, o cristão guarda o dia santificado, se esforça nesse dia para conhecer melhor a sua fé, abstém-se do trabalho pesado e pratica obras de misericórdia: visita doentes, idosos, presta ajuda a necessitados etc. Guardando o dia santificado, o cristão professa publicamente a sua fé, se declara como nova criatura em Cristo, membro de seu Corpo, a Igreja, e espera o novo céu e a nova terra (cf. Ap 21, 1).

b. A esperança – a energia da vida cristã

Da fé nasce a esperança, a espera da plenitude do Reino de Deus, já dado ao homem. As perspectivas da vida cristã, seu fim, ao qual estão orientadas as aspirações do homem, ultrapassam os limites das esperanças humanas e também os limites do sofrimento e da morte. O cristão que crê na ressurreição de Cristo, que subiu aos céus e está sentado à direita do Pai, aguarda na esperança a sua glorificação por Cristo na hora da sua gloriosa segunda vinda (v. Cl 3, 1-4).

A esperança é a inabalável certeza no Salvador, própria daquele que tem fé, que espera a plenitude da manifestação de Cristo: “pois nossa salvação é objeto de esperança; e ver o que se espera não é esperar. Acaso alguém espera o que vê? E se esperamos o que não vemos, é na esperança que o aguardamos” (Rm 8, 24-25). Diz o metropolita Andrey: “A esperança é certeza porque se fundamenta no testemunho de Deus, na sua promessa, na sua bondade – é simplesmente impossível que Deus não cumpra a promessa. Nada nem ninguém pode diminuir essa certeza: ela cresce à medida que nos aproximamos de Deus, isto é, à medida em que progredimos na graça de Deus ou, simplesmente falando, quando vivemos de forma cristã”[5].

A virtude da esperança é a certeza e a confirmação de tudo o que se fundamenta na fé e se exerce no amor[6]. A esperança é como se fosse o elo que une o princípio, a fé, ao fim, o amor, da vida virtuosa. A esperança é a força motora da plena realização da pessoa em Deus. A esperança é a virtude do “peregrino”, isto é, daquele que, sendo partícipe da vida divina, cresce nela, se diviniza.

c. A caridade – essência da vida cristã

A virtude mais importante, que nasce da fé, é a virtude da caridade divina, que Deus concede ao cristão, a nova criatura em Cristo. Essa virtude é a participação do homem no amor divino. O evangelista João enfatiza que o amor divino é a essência da vida em Deus: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4, 7-8).

A virtude da caridade não é apenas a capacidade humana de amar, mas é o amor pelo qual o próprio Deus vive. Eis por que esse amor, como diz o apóstolo Paulo, é a maior de todas as evidências da vida divina no homem, isto é, homem de virtudes. A caridade é o maior dom de Deus ao homem, dom que se recebe pelo Espírito Santo: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5; cf. 1Cor 12-13).

A caridade tem sua fonte em Deus: é o amor do Pai, revelado no Filho e que nos é dado no Espírito Santo (v. Rm 8). Quem participa desse amor torna-se capaz de amar o Pai no Espírito Santo, como o amou o Filho e poderá amar o próximo até à plenitude, pois “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13).

O servo de Deus, metropolita Andrey, afirma: “Sem amor, tudo na alma está morto, pois a vontade, em sua orientação fundamental, não estará dirigida ao verdadeiro bem, que é o supremo bem e, ao mesmo tempo, a suprema verdade: o Deus Altíssimo”[7].

O homem de fé, agraciado pelo dom do amor divino, ama a Deus, o próximo e todas as criaturas. Por isso o amor ao próximo é prova do amor a Deus: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar. E este mandamento dele recebemos: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão” (1Jo 4, 20-21).

O amor divino, pelo qual o cristão ama o próximo, é desinteressado, serviçal e “não busca o seu próprio interesse” (v. 1Cor 13, 4-7). Ele se manifesta na capacidade de amar até os inimigos (cf. Mt 5, 44-45). É com esse amor que o cristão reflete o rosto do Deus amoroso, que no seu amor salva o pecador, o reconcilia consigo mesmo e faz dele uma pessoa de fé, justificado em Cristo (v. Rm 5, 10-11).

O amoré a essência e o motivo de todas as ações morais do cristão. Jesus Cristo nos afirma que no mandamento do amor a Deuse ao próximo está contida toda a Lei (cf. Mt 22, 40). Pelo dom do amor divino, o cristão recebe a liberdade dos filhos de Deus (Rm 8, 21) e cumpre toda a Lei: “O amor é, pois, o cumprimento da Lei” (Rm 13, 10). “Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade” (1Cor 13, 13).

[1] Cf. Gregório de Nissa: Sobre as bem-aventuranças. Logos primeiro.

[2] Metropolita Andrey: A sabedoria divina (15.10.1932 – 15.02.1933).

[3] Cf. Máximo Confessor: Logos exortativo.

[4] Devocionário “Vinde, adoremos”: Dez mandamentos de Deus.

[5] Metropolita Andrey: A sabedoria divina (15.10.1932-15.02.1933).

[6] Máximo Confessor: Cartas, III.

[7] Metropolita Andrey: A sabedoria divina (15.10.1932-15.02.1933).

Fonte: Cristo nossa Páscoa: Catecismo da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Tradução: Pe. Soter Schiller, OSBM. Curitiba: Serzegraf, 2014, n. 831-849.

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