Quem é esse ancião no ícone do Pentecostes?

A Igreja entrará em um novo tempo litúrgico, o tempo do Pentecostes. Esta solenidade coroa o plano de nosso Salvador de fazer com que toda raça humana seja como Deus através da santificação pelo Espírito Santo. O Pentecostes é tão importante e único que começa a contagem de todas as semanas subsequentes do ano litúrgico, lembrando-nos desse evento crucial a cada semana. Haverá um ícone da descida do Espírito Santo em nossas igrejas. Quando o beijamos, é difícil não notar a figura estranha de um ancião pintada na parte inferior do ícone. Quem é ele? Por que aquele velho está pintado nos ícones do Pentecostes e o que podemos aprender com ele?

A iconografia do Pentecostes começou a se desenvolver no século VI. Encontramos ícones da solenidade nas páginas de rosto do Evangelho e do Saltério, em manuscritos antigos, mosaicos e afrescos. Originalmente, a parte inferior da imagem mostrava multidões de pessoas de várias etnias. A narrativa no livro dos Atos explica perfeitamente. Inúmeros judeus de todas as partes do mundo se reuniam em Jerusalém para a antiga solenidade judaica do Pentecostes. Existem ícones em que as multidões em fundo escuro são representadas por duas ou três figuras.

A iconografia bizantina tinha várias maneiras de retratar multidões de pessoas. Alguns ícones substituíram multidões pelas figuras do imperador e de um homem negro, representando o mundo cristão e os selvagens. Mais tarde, os iconógrafos surgiram com outra maneira de retratar os povos do mundo: pintaram um rei com um pano e doze pergaminhos. Havia uma inscrição Кόσμος” (kósmos), que significa ‘o Universo’. Apesar da inscrição, que não está presente em todos os ícones, a imagem e o simbolismo do rei permanecem obscuros para muitos cristãos.

Há uma opinião de que o ancião do ícone originalmente significava o Profeta Joel, que mais tarde foi substituído por um rei. Essa posição é confirmada pelo Livro de Atos, onde Pedro, no sermão que ele pregou imediatamente após a Descida do Espírito Santo, mencionou o Profeta Joel, dizendo que foi sua profecia que foi cumprida naquele dia, derramarei o meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão (Jo 3,1). Embora o ancião às vezes seja inscrito como Joel, na maioria dos casos não parece natural porque a iconografia especifica diferentes vestimentas de profetas e reis. Aparentemente, é um rei, não um profeta, que é retratado na parte inferior dos ícones do Pentecostes.

De acordo com outra versão, o ícone do Pentecostes combina dois temas ao mesmo tempo: o da eleição do apóstolo Matias e o da descida do Espírito. Portanto, há uma tentativa de associar o ancião do ícone ao rei Davi. O rei Davi profetizou em seus salmos sobre a Ascensão do Senhor (Deus sobe por entre ovações, Iahweh, ao clangor da trombeta. [Sl 47,6]). Após a Ascensão, os apóstolos se reuniram em uma sala, e o apóstolo Pedro sugeriu substituir Judas Iscariotes. Mais uma vez, ele se referiu ao rei Davi e apontou que era Davi quem previu a traição de Judas, pois está escrito no livro dos Salmos: Fique deserta a sua morada e não haja quem nela habite. E ainda: Outro receba o seu encargo (At 1,20). Essa é a razão pela qual alguns estudiosos afirmam que o ancião do ícone é o rei Davi, cujos doze pergaminhos são doze lotes de ministério apostólico, porque foi o rei Davi quem havia predito tanto a traição de Judas quanto a ascensão do Senhor, após a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Davi é separado dos apóstolos e retratado em um fundo escuro, porque ele pertence ao Antigo Testamento. Escusado será dizer que esta versão parece coerente e promissora de alguma forma, mas infelizmente não é o caso. É tão artificial quanto a suposição de que o ancião é Jesus Cristo que havia prometido ficar com os apóstolos até o fim; nesse caso, a velhice significa sua pré-existência e o fato de que Ele é igual ao Pai; o fundo escuro em forma de arco é usado para simbolizar que não sabemos onde Ele está agora; sua túnica vermelha aponta para seu povo redentor com seu sangue mais puro; a coroa sublinha sua dignidade real; o pano simboliza sua pureza; enquanto os pergaminhos são os apóstolos que Ele guarda em suas mãos.

A explicação genuína do simbolismo do ícone deve ser baseada no princípio da continuidade das imagens, na mensagem teológica do ícone e em seus originais antigos. A figura do ancião não apareceu do nada: era para ser um símbolo coletivo de multidões de nações. O rei no fundo é a raça humana que espera que os apóstolos preguem suas Boas Novas redentoras e sejam ungidos pelo Espírito Santo. Os doze rolos representam o ensino dos Doze Apóstolos, que são guardados piedosamente em um pano. A escuridão ao redor é um símbolo de ignorância que será superada graças ao Espírito. O ancião é mais do que um símbolo da raça humana. Ele representa o mundo inteiro, todo o Cosmos que precisa ser permeado pelas energias divinas não criadas que emanam de Deus. De fato, a criação foi submetida à vaidade – não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu – na esperança (Rm 8,20). Embora o cosmos esteja agora na escuridão, ele não perdeu sua coroa porque foi apenas o homem que caiu, e não o cosmos como um todo. Podemos nos reconhecer à imagem desse ancião. Envelhecemos, desejando o Deus Vivo com o resto do mundo. A realidade Divina alternativa invadiu este mundo. Cada um de nós pode seguir esse ancião e estender as mãos para receber as Boas Novas e o Sacrifício de Jesus Cristo.

O ícone do Pentecostes nos mergulha na experiência cósmica desse evento glorioso e declara o chamado universal da Igreja para tornar-nos, e o mundo inteiro conosco, santos, e trazer este novo mundo redimido ao Pai. Cada um de nós é uma pequena partícula da nova realidade da Igreja, chamada para ser cooperadora de Deus e dar sua contribuição à causa da transformação da vida à nossa volta.

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