Nas tradições litúrgicas orientais e ocidentais, o dia 25 de março marca um evento especial na vida de Jesus Cristo: Sua concepção no ventre da Virgem Maria. Este evento também é conhecido como Anunciação, quando, de acordo com o Evangelho de São Lucas, o Arcanjo Gabriel veio à Virgem e anunciou: “Não tenhas medo, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. E eis que você conceberá no seu ventre e dará à luz um filho, e colocará o nome de Jesus” (Lucas 1, 30-31).
A resposta de Maria a este anúncio é familiar e amada: “Eis aqui a serva do Senhor; seja feito em mim segundo a tua palavra”(Lucas 1,38). Segundo a tradição da Igreja, suas palavras de aceitação foram o que permitiu à Palavra de Deus entrar e iniciar dentro dela a concepção humana de seu Filho.
Menos conhecido é o motivo pelo qual 25 de março é a data da Anunciação. Alguns estudiosos argumentam que cristianismo escolheu a festa pagã do Sol Invictus (“o Sol Invencível”) em 25 de dezembro para celebrar o nascimento de Jesus. Como resultado, a festa da concepção de Jesus foi estabelecida nove meses antes, isto é, em 25 de março.
Essa linha de argumentação foi substituída recentemente por uma explicação mais interessante. Os estudiosos agora sugerem que alguns cristãos primitivos acreditavam que Jesus realmente morreu em 25 de março. E porque atribuíram a Ele a antiga piedade judaica de que um profeta morreu no mesmo dia em que ele foi concebido, eles também estabeleceram a data para a Sua concepção. Enquanto a celebração da morte de Jesus posteriormente mudou, tornando-se dependente do ciclo lunar, a Anunciação permaneceu fixa, com o Natal nove meses depois.
Bem, se Jesus morreu no mesmo dia em que foi concebido, então, a partir do momento de Sua concepção, ele estava destinado a morrer. Além disso, se Jesus é o padrão após o qual todo ser humano deve ser feito, então nós também nascemos para morrer, como Ele.
Isso é mais do que dizer que um dia todos nós vamos morrer. A coincidência da concepção de Jesus e Sua morte sugerem que o objetivo de nossa existência é morrer, não apenas “no final”, mas todos os dias, momento a momento. Assim como a morte final de Jesus coincidiu com Sua concepção, todos os instantes da nossa vida também devem coincidir com uma morte – uma oferenda de nós mesmos pelos outros, sem preocupação com o nosso próprio bem-estar.
Pode nos parecer que o mundo à nossa volta adota o rumo oposto. Nascemos, somos ensinados a sobreviver, somos cheios de conhecimentos e habilidades, encontramos empregos e carreiras, adquirimos riquezas e bens materiais, investimos, economizamos dinheiro por dia – tudo para que possamos gerenciar nosso futuro.
Sob esse imperativo de administrar e controlar, há um impulso mais primitivo: o medo da morte, sobre o qual não temos controle. A necessidade de sobreviver, enganar a morte ou adiá-la pelo maior tempo possível é a força motriz por trás de quase todos os aspectos da vida individual, social, econômica e política neste mundo.
A Anunciação, ligada à Cruz, é uma rejeição total desse modo de pensar darwiniano. Quando afirmamos que nossa vida é uma série de mortes pessoais, escolhemos algo diferente de “sobrevivência do mais apto” e “morrer ou ser morto”. Em vez disso, fazemos escolhas como consumidores, como pais, como cônjuges, como cidadãos, como membros da Igreja, que beneficia alguém que não seja nós mesmos. Estamos dispostos a fazer cortes, viver com menos, nos privar de confortos e conveniências, para que outros indivíduos, comunidades, espécies e o mundo fora de nós possam sobreviver e prosperar? Isso é contra-intuitivo e revolucionário.
Somos destruídos quando tomamos a decisão de fazer de nossas escolhas uma série de pequenas mortes? De jeito nenhum. Afinal, se nós morrermos para nós mesmos para que outro possa viver, e outro morrer para nós mesmos para que nós possamos viver, todos terminamos, não apenas vivos, mas enriquecidos pela vida um do outro. E mesmo que outros se recusem a responder em espécie ao nosso ato de auto-sacrifício, ainda podemos escolher morrer imitando a própria morte de Jesus por nós e por toda a raça humana, e, ao fazê-lo, vemo-nos ressuscitados e transformados por Sua ressurreição.
A Anunciação, então, é um chamado à morte, mas não à destruição. É um desafio abandonar o medo, rejeitar o interesse próprio, demonstrar a coragem e a convicção da simples aceitação da Virgem Maria do anúncio de Gabriel, confiando como ela que, embora a água possa subir sobre nossas cabeças, Deus não nos permitirá sermos afogados em nossos sofrimentos, mas nos conduzirá à terra prometida da vida e da alegria.