Moisés Sbardelotto
Nos últimos anos, termos como “pós-verdade” e fake news (notícias falsas) têm ganhado espaço na mídia e no debate político no Brasil e no mundo. O cenário da comunicação parece caótico, para muitas pessoas. As redes sociais digitais exponenciam a circulação de informações, nem sempre apuradas e verdadeiras, promovendo uma disseminação de notícias falsas. Tudo isso ocorre em um contexto marcado pela chamada crise do jornalismo, com a perda de público, de poder e de credibilidade por parte da “grande mídia”. Quando as instituições sociais – como a imprensa e as concessões públicas de rádio e televisão – que deveriam prover a sociedade em geral com informações verídicas caem no mero sensacionalismo, no partidarismo e no “vale-tudo” pela audiência, é justo e necessário que as pessoas busquem outras fontes de informação. A questão, contudo, é como as pessoas, hoje, elegem essas fontes e como julgam essas informações, a partir de quais critérios e segundo quais desejos, interesses e necessidades.
As chamadas redes sociais digitais, como Facebook, Instagram, Twitter, e plataformas como Amazon, Google, Netflix, WhatsApp, são hoje, muitas vezes, a “fonte da informação” sobre a realidade para um número cada vez maior de pessoas, muito mais do que a TV, o rádio e a imprensa. São também o “ambiente de convivência” entre familiares, amigos e colegas de trabalho, por onde mais circulam as informações relevantes para o dia a dia de cada pessoa. Nesses ambientes, centrados na relação entre pessoas que geralmente já se conhecem, podem se formar com mais facilidade as chamadas “bolhas de informação”, em que cada um busca se cercar apenas de fontes e conteúdos que reforcem suas convicções pessoais. A diferença e o diferente, assim, podem desaparecer do horizonte. Impera o “mais do mesmo”. E os algoritmos de cada plataforma, por sua vez, reforçam ainda mais essa característica das redes digitais.
Tais empresas controlam quantidades gigantescas de dados sobre os usuários de seus serviços. E, mesmo sem perceberem, as pessoas acabam “trabalhando” voluntariamente para essas plataformas, pois oferecem a elas, gratuita e constantemente, muitas informações sobre suas vidas cotidianas, ao intercambiarem textos, áudios e fotos. Mesmo quando as pessoas apenas “navegam” e “zapeiam” em tais plataformas, seus rastros digitais são continuamente acompanhados por essas empresas, servindo para o aprimoramento de seus serviços e a venda de publicidade.
Hoje, portanto, a informação não é mais sinônimo de poder, pois praticamente qualquer pessoa pode ter acesso a elas, em um clicar de botões. O poder está em quem gerencia as informações. Quando entregamos esse poder de gestão sobre nossas informações pessoais a tais conglomerados informacionais e midiáticos, estamos abrindo mão de uma importante parcela de responsabilidade sobre a nossa própria vida.
Por isso, “formar para a informação” tornou-se imperativo. Ou seja, possibilitar que as pessoas possam construir as competências necessárias – desde a infância, por exemplo, nas escolas – para lidar com o mundo de informações contemporâneo, sem ficarem sobrecarregadas, desorientadas, inertes ou indiferentes diante dessa realidade tão complexa.
Também é preciso “conscientizar para a comunicação”. A começar pelas próprias empresas midiáticas, para que reforcem sua postura ética e evitem a produção e a divulgação de toda má informação. Mesmo tendo fins financeiros, o lucro e os interesses corporativos não podem levar a melhor em relação à responsabilidade pública de tais empresas. Por outro lado, em nível pessoal, cada pessoa tem a responsabilidade de discernir a veracidade e a falsidade que se espreita em um panorama midiático complexo, para não cair em armadilhas informacionais, nem possibilitar que outros caiam nelas.
“Informar é formar, é lidar com a vida das pessoas”, afirma o papa em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano. Por isso, ele reitera a importância de quem assume a comunicação como profissão, isto é, o jornalista, chamado pelo pontífice de “guardião das notícias”. Na visão do papa, a notícia é um tesouro que enriquece a toda a sociedade, não apenas uma mercadoria para enriquecer as empresas que a produzem. De acordo com Francisco, no centro das notícias, devem estar as pessoas. Quando a notícia é vista como riqueza social (e não como mero negócio corporativo), estamos diante de um bom caminho para se redescobrir o valor do jornalismo hoje. Um “jornalismo de paz” é aquele que é “feito por pessoas para as pessoas e considerado como serviço a todas as pessoas, especialmente àquelas – e no mundo, são a maioria – que não têm voz”, afirma o papa.
E aqui a Igreja tem um papel pedagógico e formativo muito importante, desde a catequese. Segundo Francisco, trata-se de promover um “discernimento profundo e cuidadoso”, que permita desmascarar a “lógica da serpente” que produz um fenômeno como as fake news. Formar para a informação e conscientizar para a comunicação significam ajudar as pessoas a serem prudentes como as serpentes e astutas como as pombas no meio de possíveis “lobos” midiáticos. Esses dois processos, por sua vez, envolvem três saberes: saber escolher, saber ler e saber escrever.
Saber escolher é um princípio fundamental quando estamos imersos em uma avalanche de informações. É impossível dar conta – por razões de tempo e de espaço vital – de todos os dados que temos à disposição e de tudo o que recebemos continuamente via textos, áudios, fotos, vídeos. Há muito “joio” misturado nas informações que recebemos e nas fontes de notícias a que recorremos. Por isso, é importante se perguntar: onde busco e encontro informações? A quem dou ouvidos? Quais são minhas fontes? Qual sua credibilidade e reputação? Daí a necessidade de pesquisar, separar, selecionar, decidir com consciência; em suma, discernir. E o Papa Francisco afirma que o critério para discernir a verdade é “examinar aquilo que favorece a comunhão e promove o bem e aquilo que, ao invés, tende a isolar, dividir e contrapor”. Ou seja, “reconhecer o mal que se insinua em uma comunicação que não cria comunhão”.
Saber ler, por sua vez, não diz respeito apenas a saber decifrar as letras das palavras de um texto. Ler não é apenas “ficar sabendo” de alguma coisa, como se fosse um gesto passivo. Não é apenas “aprender” algo novo, mas sim apreender e compreender. Por isso, mesmo quem é analfabeto pode saber “ler” o mundo. Ler é interpretar a realidade. É desvendar a informação, removendo os “véus” dos interesses em jogo. Exige reflexão curiosa e crítica sobre aquilo que é dito e mostrado. É ir além da manchete. Todo texto (escrito, em sons ou em imagens) não é propriedade exclusiva de seu autor, mas é reescrito e reconstruído pelo seu leitor, a partir de sua visão de mundo, sua cultura, seus valores, sua realidade local. Em sua mensagem, Francisco destaca a necessidade de “apreender como ler e avaliar o contexto comunicativo”. Ao escolhermos uma fonte de informações, é preciso ir além dos conteúdos presentes em seus textos, áudios, fotos, vídeos. O que e quem estão envolvidos naquilo que estou lendo, vendo, ouvindo? Que fontes são citadas? Está bem escrito? Os dados são confiáveis? É novidade ou notícia “requentada”? Que valores cristãos essa notícia defende, fere ou ignora?
Por fim, saber escrever não diz respeito apenas a ordenar e organizar letras em palavras, e palavras em textos. Escrever significa “inscrever-se” naquilo que está sendo lido, ouvido, visto. Ou seja, engajar-se com a realidade noticiada, ir além do mero “informar-se”. E, principalmente, não ser um “divulgador inconsciente de desinformação”, como afirma o papa. Diante de uma informação recebida, que resposta parece apropriada à luz da fé cristã? Devo comentar algo a respeito? Devo compartilhá-la? Com quem? Por quê? E, mais importante, como posso “reescrever”, concretamente, com minhas palavras e ações, a realidade noticiada ou os fatos informados? Para isso, segundo o papa, é preciso, antes, “tirar o veneno dos nossos juízos” e “falar dos outros como de irmãos e irmãs”, para que “nossas palavras sejam sementes de bem para o mundo”.
“Dizer a palavra verdadeira é transformar o mundo”, afirmava o pedagogo Paulo Freire. Daí a grande responsabilidade dos cristãos e cristãs no mundo da comunicação, para saber o que dizer e o que calar, como dizer e como calar, quando dizer e quando calar.