O combate espiritual na vida cristã

Todo o cristão, já desde o seu Batismo, trava combate espiritual, em que ele morre ao pecado para viver para Deus. Esse combate, como diz o apóstolo Paulo, é travado “não contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo das trevas, contra os Espíritos do Mal que povoam as regiões aéreas” (Ef 6, 12). O cristão trava o combate espiritual com as armas da oração, do jejum, e da caridade, purificando seus pensamentos e buscando o estado de paz de espírito. São Cassiano diz que o combate espiritual auxilia a pessoa na sua busca da perfeição: “Esse combate é de acordo com a vontade de Deus. Ele serve para o bem da pessoa, desperta na pessoa a busca sincera de uma perfeição maior”[1].

1. Jejum e caridade

 Desde os tempos antigos os cristãos jejuavam, imitando o jejum de quarenta dias de Cristo, durante os quais ele lutou contra as tentações do demônio e as venceu. O jejum como modo de combate espiritual foi fator do desenvolvimento do monasticismo, que via no jejum um meio para alcançar a pureza de coração. O jejum abrange a pessoa inteira: o corpo pela abstinência de comida e bebida, e a alma pelo domínio das paixões. São João Crisóstomo diz: “Não comes carne? Não te alimentes de impurezas com os teus olhos. Jejuem também os teus ouvidos, e o jejum dos ouvidos está em não prestar ouvidos a maledicências e calúnias. Jejue também a tua língua abstendo-se de murmuração e injúrias… Que proveito há se nos abstemos de comer aves e peixes, e roemos e devoramos nossos irmãos?”[2].

O jejum está indissoluvelmente ligado à caridade. “No dia em que jejuas, alimenta-te somente de pão e água. E aquilo que normalmente comerias, dá-o à viúva, ao órfão, ao necessitado. Dessa forma deverás negar alguma coisa para ti mesmo, para que da tua renúncia outros possam aproveitar para se saciar e orar por ti ao Senhor”[3]. A caridade como expressão de amor ao próximo é imitação do próprio Deus, que primeiro demonstrou sua misericórdia para com o homem.

2. Maus pensamentos

A pessoa humana, movendo-se continuamente no campo da influência das diversas opiniões, ideias, pontos de vista, escolhe as que lhe parecem mais importantes. Esses pensamentos podem ser bons ou maus; eles influem de diversas maneiras na vida espiritual do homem.

No livro do Gênesis lemos como a serpente ludibriou o homem, dizendo-lhe que seria como Deus, se rejeitasse o mandamento divino. A tentação é sempre um convite ao pecado. Diante da tentação, a pessoa pode sujeitar-se a ela ou rejeitá-la. Adão e Eva aceitaram o convite ao pecado(o mau pensamento); por isso tornaram-se pessoalmente responsáveis pelo pecado.

As coisas acontecem de maneira semelhante em nossa vida. Se acolhemos os maus pensamentos, pecamos. O início de todo o pecado é a aceitação de um mau pensamento com o intuito de pô-lo em prática. Até quando a pessoa não acolhe o mau pensamento, esse pensamento ainda não é pecado, mas apenas tentação. São João Damasceno distingue cinco estádios no processo de entrada dos maus pensamentos no nosso coração: proposta, colóquio, luta, consentimento, paixão[4].

A ação da tentação começa com uma proposta. Essa proposta pode ter o aspecto de imagens, fantasias, lembranças; pode vir até nós através de objetos ou circunstâncias materiais, apresentando-nos o mal como atração. Tais pensamentos acompanham o homem durante a sua vida inteira. Experiência semelhante teve Cristo durante as suas tentações no deserto. Se a proposta não for rejeitada, a penetração do mau pensamento no coração continua.

Outro estádio é a “conversação” com o pensamento proposto, quando a pessoa delibera e avalia os argumentos “pró” e “contra” a proposta. Sabemos pelo livro do Gênesis do perigo desse tipo de “conversação” com o maligno: o colóquio de Eva com a serpente foi o primeiro passo para o pecado dos primeiros pais. Em contraposição, Cristo, nas tentações no deserto, não entrou em conversa com o tentador, mas rejeitou com decisão as suas propostas com palavras da Sagrada Escritura.

O terceiro estádio é a luta. É difícil enxotar o pensamento que pela conversação entrou no coração. Sem luta e esforços não é possível que a pessoa se livre dele. Garantia de vitória nessa luta é a Palavra de Deuse a oração.

O quarto estádio é o consentimento, que é o acolhimento do mau pensamento, o que equivale à derrota na luta. Acolhendo o mau pensamento e decidindo pô-lo em ação, o homem já cometeu o pecado, mesmo que essa ação pecaminosa não seja levada a termo.

O quinto estádio é a paixão. É o estado de escravidão em consequência da ação pecaminosa. A pessoa dominada pela paixão sente contínua atração pelo mal. Essa atração pode adquirir tanta força que a pessoa perde o poder de reação, torna-se dependente do mal e escravo da paixão.

3. O domínio das paixões

A essência da ascese cristã está na luta contra os maus pensamentos e contra as paixões, e na aquisição de virtudes. A ação das paixões é tão deletéria que frequentemente se compara com uma doença degenerativa. “Quando alguém é motivado pelo pecado e guiado pelo mal, torna-se semelhante a uma cidade desprovida de muros de defesa. Ela é atacada por qualquer um, é pilhada e incendiada sem nenhuma reação. Da mesma forma tu, que és condescendente contigo mesmo e não exerces vigilância sobre ti mesmo, deixas entrar em ti os maus espíritos que te devastam e espoliam a tua mente, tomam em cativeiro os teus pensamentos e os rebaixam para este mundo”[5]. Por isso, o cristão deve com toda a diligência procurar dominar as paixões e livrar-se delas.

A libertação das paixões (em grego apatheia) é condição para a perfeição cristã. A luta contra as paixões inclui três momentos: consciência, reação e erradicação. A própria razão humana, iluminada pela graça, é capaz de tomar consciência de uma paixão. A reação à paixão é obra da vontade humana que coopera com a graça de Deus. A erradicação da paixão é o coroamento do combate espiritual e sinal da ação terapêutica da graça. A liberdade em face das paixões, a apatheia, é consolidada pelos exercícios de ascese, mas a sua única fonte é o amor a Deus, que vence todas as paixões e reúne todas as potencialidades humanas sob o poder do Espírito Santo[6].

A libertação das paixões não significa ausência de pensamentos tentadores no homem, pois o assédio desses pensamentos nem sempre depende da pessoa. Mas quando a pessoa atinge o estado de apatheia, ela não acolhe os maus pensamentos que conduzem à paixão[7].

[1] João Cassiano: Coletânea, 18, 13.

[2] João Crisóstomo: Homilias sobre estátuas, 3, 4-5.

[3] Hermas: Pastor, similitudes, 5, 3.

[4] V. João Damasceno: Sobre virtudes e vícios.

[5] Pseudo-Macário: Sermões espirituais, 15, 47-51.

[6] Máximo Confessor: Escólios sobre o amor, III, 50.

[7] V. Isaac Siríaco: Logos 1, 9.

Fonte: Cristo nossa Páscoa: Catecismo da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Tradução: Pe. Soter Schiller, OSBM. Curitiba: Serzegraf, 2014, n. 785-798.

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