MacDowell e o falso dilema da evolução versus criação

Em um artigo publicado na Revista Veritas, João A. MacDowell apresenta o falso dilema que existe entre a evolução e a criação. Ele inicia o seu artigo falando da discussão sobre a questão da compatibilidade entre evolução e criação, entre a aceitação da teoria da evolução e a aceitação da criação do universo e da vida por Deus, e propõe que não há contradição entre a aceitação da ideia científica da evolução e a afirmação da criação do universo e da vida por Deus. Com efeito, ele fala da importância da filosofia para essa discussão, pois uma teoria científica, como a teoria da evolução, não pode implicar nem a afirmação nem a negação de um Deus criador do mundo. A princípio, a discussão maior existe sobre dois pontos de vista opostos: criacionismo enquanto negação da evolução em nome da fé em Deus Criador; e evolucionismo enquanto negação do Deus Criador em nome da teoria da evolução.

Quanto à teoria da evolução, temos a evolução biológica: implica que todos os organismos vivos descendem de uma mesma espécie originária de organismos muito simples. Supõe, portanto, um tronco comum. Neste sentido, o processo de evolução manifesta uma tendência da matéria para auto-organização, ou seja, há uma escala: organismos unicelulares, eucariotas, pluricelulares… Agrupamento de células, construção de tecidos celulares que culmina com a reprodução sexuada. Além disso, há também os invertebrados e vertebrados que têm o seu ápice com os mamíferos e bípedes que forneceram condições para a emergência da reflexão e da linguagem articulada na espécie humana. De fato, existem muitos enigmas sobre a teoria, mas temos que destacar também o reconhecimento do Papa João Paulo II, em alocução aos membros da Academia Pontifícia de Ciências (1996) que a evolução hoje é mais do que uma mera hipótese.

Neste sentido, existem as teorias explicativas da evolução, mas se ela, a evolução, é quase unânime entre os entendidos, o mesmo não acontece com as tentativas de explica-la. A primeira teoria apresentada pelo biólogo francês Lamarck, início do século XX. Atribui a evolução à transmissão hereditária de caracteres morfológicos adquiridos em virtude do uso ou desuso de certos órgãos em função das necessidades vitais do ser vivo. Esta explicação foi abandonada após a publicação da obra de Darwin Seleção natural das espécies, que trata do ambiente como agente que atua seletivamente sobre os indivíduos, reduzindo o número dos mal-adaptados e aumentando o número dos que conseguem sobreviver às mudanças ambientais. Falta explicar as diferenças iniciais entre os indivíduos que levam alguns a adaptar-se ao seu ambiente e outros não. Uma outra teoria é a sintética da evolução. Nesta, o que falta no darwinismo, foi suprido pelas leis da genética de Mendel e pela identificação dos genes como elementos da estrutura celular e de suas mutações. A teoria sintética explica a diferenciação das espécies pela conjugação de dois fatores básicos, as mutações genéticas e a seleção natural. Basicamente, a mudança na frequência de determinados alelos no banco de genes de uma população. Já a seleção natural resulta de mudanças radicais do ambiente: períodos glaciais, choque de meteoritos, erupções vulcânicas. Esta é, portanto, a posição dominante no meio científico. Trata-se do conjunto de regras pelas quais a informação codificada do material genético é traduzida em proteínas pelas células vivas. Com efeito, é o argumento mais forte para dizer que todos os seres vivos descendem de uma única população original e admite que a evolução é um processo inteiramente imprevisível. Existem também as teorias finalísticas da evolução que apelam para um plano de inteligência criadora. É a visão de Teilhard de Chardin. Ele descobre uma convergência entre os dados científicos e o cristocentrismo do Novo Testamento, mostrando que a flecha da evolução aponta, mais além do âmbito biológico, para o ponto Ômega, no qual se dará a comunhão definitiva de todo o universo criado com o seu Criador.

Feitos estes esclarecimentos iniciais, MacDowell retoma o ponto inicial – relação entre evolução e criação. O criacionismo tem o atual significado desde o século XX, isto é, negação da evolução como incompatível com a criação. Surgiu, portanto, nos Estados Unidos, em 1920, como movimento religioso. Chegou a obter a proibição da teoria da evolução nas escolas públicas de vários estados. Girava em torno de rejeitar o ser humano como descendente do macaco. O movimento ressurgiu nos anos 60 a 80, sob a forma do “criacionismo científico” e buscava recusar a evolução, partindo de motivações religiosas, a partir de argumentos científicos: a evolução não é um fato comprovado, mas uma hipótese. Existem, pois, três formas do criacisonismo: 1) criacionismo radical: fundamentalismo, baseado na Bíblia. Adota o fixismo e diz que os dinossauros foram destruídos pelo dilúvio; 2) criacionismo moderado: rejeita uma leitura estritamente literal da Bíblia. Aceita dados da astronomia e geologia quanto à idade da terra e do universo. Alguns adeptos admitem apenas micro-evolução. Aceita a origem comum das espécies biológicas, mas com exceções, especialmente a do homem; 3) o movimento do planejamento inteligente: de aspiração religiosa, não se identifica com o criacionismo no sentido estrito, já que admite a evolução do universo e das espécies biológicas. Baseia-se em dados científicos comprovados. A evolução torna-se um argumento para “provar” a existência de Deus.

Já o evolucionismo, esta corrente corresponde a uma posição ideológica que além de desconhecer os limites do método científico e a natureza da argumentação filosófica. Utiliza uma ideia filosófica e teologicamente inaceitável de Deus e de criação. Por isso, MacDowell faz uma crítica ao o evolucionismo de Richard Dawkins, escritor do livro Deus um delírio, em 2006. Dawkins deixou o campo da divulgação científica séria e parte para a polêmica anti-religiosa. Ele quer apenas provocar, desprezar a religião e aborda questões filosóficas e teológicas sem o conhecimento da causa, além de utilizar raciocínios distorcidos em sua argumentação contra a existência de Deus e a religião. Daí, MacDowell apresenta o argumento evolucionista contra a existência de Deus que parte de: Deus não é necessário, nem possível, e então começa a falar os pressupostos para a solução do conflito entre evolução e criação.

Neste sentido, é preciso partir de uma ideia válida de Deus e da criação divina e estabelecer a competência de cada tipo de racionalidade e saber: ciência, filosofia, teologia, em geral e a respeito do problema em pauta. Quanto a ideia de Deus, tanto o criacionismo como o evolucionismo se referem ao Deus cristão: realidade imaterial, infinitamente perfeita, distinta da realidade humano-mundana, que depende inteiramente desse princípio divino para ser e agir. Referente à distinção entre conhecimento científico, filosófico e teológico, o autor aponto para que seja feita através das seguintes maneiras: 1) princípio hermenêutico geral: as teorias científicas e as conclusões nelas fundadas não podem conflitar, em princípio, com afirmações teológicas ou filosóficas, porque não se referem à mesma coisa sob o mesmo aspecto; 2) natureza do conhecimento teológico: pretende compreender e interpretar racionalmente o conteúdo da revelação bíblica. Não é oferecer explicação científica, mas manifestas o sentido da existência humana; 3) natureza do conhecimento filosófico: é própria da filosofia na sua busca sobre o sentido último questionar radicalmente a realidade como um todo; 4) natureza do conhecimento científico: o método científico exclui a afirmação ou negação de Deus: as ciências positivas observam e explicam fenômenos naturais – hipóteses, testes, experimentos… Com base nisso, MacDowell avalia o criacionismo e o evolucionismo à luz dos princípios opostos, o primeiro quanto ao criacionismo em geral e ao planejamento inteligente; e o segundo quanto à não-necessidade de Deus para explicar a evolução biológica e à impossibilidade da existência de Deus e da criação.

MacDowell também fala da compatibilidade entre a ideia de criação e a teoria da evolução e que é possível uma conciliação entre a evolução biológica e a ideia da criação divina do mundo. Ele trata também da ideia filosófica de criação: faz uma crítica a Dawkins e ao planejamento inteligente: ideia equivocada de Deus e de sua ação criadora.

Apresenta a articulação entre a causalidade divina e a causalidade natural: a ação criadora de Deus sustenta o ser e a ação da realidade criada, mas, em princípio, não interfere no nível da ação própria dos entes mundanos, pois, ao criá-los, confere-lhes as condições de realizar-se segundo a sua natureza. O curso do mundo é determinado pelos fatores nele existentes que atuam de acordo com a sua natureza e as suas leis imanentes. Ele também assevera dizendo que se Deus existe, a criação, como ação transcendente de Deus, é compatível com a evolução biológica, porque não compete com as causas naturais, mas sustenta-as no seu ser e agir.

A evolução como processo de aperfeiçoamento dos seres orgânicos tem um problema da passagem evolutiva a um nível superior de realidade: com toda a evolução dos organismos, o grau de complexidade do cérebro é muito elevado. Fala de causalidade, o mais do menos… hominização (primatas para homens). Neste sentido, duas possíveis respostas a partir de uma resolução filosófica que pode ser aprofundada da ideia da ação criativa de Deus: a intervenção singular de Deus no surgimento de cada indivíduo, mais exatamente a alma. Esta ação não pode ser percebida empiricamente; e a visão de K. Rahner, que é mais radical: a ação criadora corresponde a um tipo transcendental de causalidade que não pode ser identificado simplesmente com as leis da causalidade entre entes intramundos. Já criação e finalismo do processo evolutivo tem o problema da conciliação a imprevisibilidade dos resultados do processo evolutivo e o finalismo criador: o monoteísmo diz que Deus tem uma finalidade ao criar o universo. A teoria sintética da evolução afirma que não se pode detectar. Por fim, MacDowell conclui que o dilema criação versus evolução é falso, que não provamos que Deus existe nem que Ele criou o universo e que criacionismo e evolucionismo são basicamente posições ideológicas.

Ao nosso ver, as conclusões que MacDowell apresenta em seu artigo suprem as necessidades que inclusive o senso comum deveria conhecer. É claro que são resoluções pertinentes à academia, mas com uma leitura de fácil compreensão. Pelo fato do artigo ter sido escrito por alguém que entende tanto do método científico como de filosofia e teologia, de “sabedoria pagã” e “sabedoria cristã”, e compreende que entre ambas, apesar do que ideologias, como por exemplo, o criacionismo e o evolucionismo parecem demonstrar cada vez mais um abismo aprofundo entre elas, possuem, na verdade, uma convergência, uma complementariedade entre si. Isto significa dizer que as críticas feitas por MacDowell ao evolucionismo e ao criacionismo são reflexos de que não existe uma discussão saudável, mas sim à defesa de ideologias. Por isso, os pressupostos para a solução do conflito entre evolução e criação são fundamentais para demonstrar que existe uma convergência entre ciência, teologia e filosofia.

Autor: Marco Antônio Pensak, estudante da turma do 3º ano do Curso de Filosofia da FASBAM. Desenvolvido para a disciplina de Antropologia Filosófica II com o Prof. Me. Pe. Soter Schiller, OSBM.

Referências: MACDOWELL, João A. Evolução versus criação: falso dilema. Veritas – Revista de Filosofia, Porto Alegre, v. 56, n. 2, p. 84-120, maio/ago. 2011. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/10842. Acesso em: 23 de setembro de 2019.

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