Relacionando mais especificamente as questões Alma; Homem; Mística; e a Dialética Eckhartiana, procuraremos discorrer no presente artigo a unicidade do homem, com o seu Criador, limitando-se ao tocante filosófico e servindo-se principalmente de seus escritos filosófico-místicos, juntamente com a visão de alguns de seus expoentes comentadores medievistas.
Segundo Matteo Raschietti[1], a pergunta que todo místico deseja responder é: até que ponto a Unio Dei (União com Deus) se dá na pessoa humana que, assim, busca aceder a uma realidade mais elevada em sua espiritualidade? E é a partir das leituras de tais escritos eckhartianos (com obras tanto em latim como em alemão), que tal afirmação perene se dá diante da questão de Deus; do Deus segundo o qual, por um lado é Uno e, do outro, o homem, que também está à altura de uma autêntica Imitatio Dei ao tornar-se um em si mesmo, e um com Deus.[2]
Em Eckhart, a concepção de união com Deus irá se descortinar a partir de sua ontologia específica, ou melhor dizendo, na dialética eckhartiana, onde, numa trama de pensamento complexo, irá confeccionar um importante tecido argumentativo para a questão ontológica de Deus e com isso a união com Ele, passando fundamentalmente sobre a atitude do desapego que em outras partes pode ser citado como esvaziamento ou nadificação da vontade e desejo do ser para o não-ser.[3] Embora cientes das dificuldades para expressar a experiência mística, onde o inefável acaba por estabelecer limites à própria linguagem, buscaremos um caminho que nos conduza ao encontro deste mesmo inefável, cumpliciados ao pensamento eckhartiano e somando esforços no sentido de compreender o modo pelo qual se atinge a contemplação mística, prescindindo, não obstante, da tentativa de relatá-la e comentá-la.
Para Eckhart, Deus não é o Ser, como pensava Tomás de Aquino, mas considerava Deus como aquele que tem o privilégio de ser puro de todo ser (puritas essendi) e que, em razão dessa pureza mesma em relação ao ser, pode ser a causa do ser. Com isso, Eckhart sabia muito bem que se chocava contra o texto do Êxodo (3, 14), citado por Tomás de Aquino para defender a tese de que Deus é o Ser: Ego sum qui sum (Eu sou aquele que é). Entretanto, Eckhart interpretava esse texto bíblico de outra forma. Se Deus – ele observa – tivesse querido dizer que ele é o Ser, ter-se-ia contentado em dizer: Ego sum (eu sou); mas disse outra coisa. Se encontramos de noite alguém que quer se esconder e não quer se identificar e lhe perguntarmos “quem és? ”, ele responderá: sou quem sou. Foi o que fez Deus em sua resposta a Moisés: Deo ergo non competit esse (Em Deus não se aplica o ser).[4]
O pensamento de Eckhart não é simples, e é fácil explicar o embaraço de historiadores que querem encerrá-lo numa fórmula ou mesmo designá-lo por determinado nome. Alguns veem nele, antes de mais nada, uma mística, outros uma dialética platônica – e, provavelmente, todos têm razão. Mística e dialética estão longe de se excluírem.
O templo no qual Deus, seguindo a sua vontade, quer poderosamente reinar, é a alma do homem. É na alma que nossa “imagem divina”, nossa deidade se manifesta e reside a verdadeira teofania da criação. Não havendo qualquer coisa que possa definir o ser de Deus, ou forma de caracterizá-lo, demonstrá-lo, qualificá-lo, Deus se apresenta de maneira indecifrável, qual um “Nada” que repousa na imensidão.
Embora cientes das dificuldades para expressar a experiência mística, onde o inefável acaba por estabelecer limites à própria linguagem, discorrer sobre o mesmo, caracteriza-se como uma atitude de tentativa minuciosa. Ao nos cumpliciarmos ao pensamento eckhartiano no sentido de compreender o modo pelo qual se atinge a contemplação mística, percebemos que, sua dimensão dialético-mística, ou seja, sua tentativa de descrever Deus, o entorna com mistérios ainda mais superiores e de tal modo, inalcançáveis ao intelecto humano.
Prescindindo, não obstante da tentativa de relatá-la e comentá-la, nos foi possível perceber que em Eckhart existe senão uma negação da negação. Ao passo que, ao asseverar que Deus não é o Ser, tem o intuito de transportá-lo, de tal modo, a mais nobre dimensão, juntamente com sua proposta de união da alma para com Deus. Mas, para tal união, faz-se necessário um silenciar, haja vista que, segundo o Mestre, silenciar é a atitude que permite tornarmo-nos criaturas. É assim que, o homem nobre – Von edlen Menschen – pode tornar-se “um com o Uno, um do Uno, um no Uno, e no Uno um para sempre”.
[1] Matteo Raschietti, é Teólogo e Filósofo, Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, com a tese: A imagem sem imagem. Uma abordagem da teoria do conhecimento de Mestre Eckhart através do princípio hermenêutico da imago-Bild, com defesa em 2008.
[2] Cf. RASCHIETTI, Matteo. op. cit., p. 56.
[3] Cf. FLORES, Josué Soares. O conceito da união com Deus nos sermões (1-10) de Mestre Eckhart. p. 2-3. Constando nos Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1313.
[4] Cf. RASCHIETTI, Matteo. A imagem sem imagem. Uma abordagem da teoria do conhecimento de Mestre Eckhart através do princípio hermenêutico da imago-Bild. Unicamp, 2008.
Autor: Carlos Dener Pires Julio, estudante do 2º ano do Curso de Bacharelado em Filosofia.
Parabéns Carlos pelo seu artigo e seu empenho nessa mística! Ótimo texto!
Obrigado, Pedro!
E que nessa caminhada nunca nos falte essa mesma agudeza de espírito. Um abraço!
“Demais”