Entrevista com o Prof. Rogério Miranda de Almeida

Prof. Irineu: Caro Professor, como o Sr. vê o ano acadêmico que tem início agora na FASBAM?

Prof. Rogério: Com muita esperança, sobretudo se se consideram o caminho já percorrido até agora por esta instituição e as avaliações, positivas e estimulantes, que os alunos têm feito sobre o corpo docente em geral, sobre o ensino aqui ministrado e sobre a faculdade como um todo.

Prof. Teodoro: Existe na FASBAM algum ponto que o Sr. gostaria de destacar?

Prof. Rogério: Na verdade, como você mesmo sabe – na qualidade de colega de magistério – existe mais de um ponto que faz desta faculdade um centro especial de estudos. Primeiramente, embora seja uma instituição de ensino superior pertencente a uma ordem religiosa (Ordem de São Basílio Magno), ela está ao mesmo tempo aberta a todos aqueles que desejam dedicar-se à filosofia em particular e às ciências humanas em geral. Assim fazendo, ela procura não impor restrição de credo aos seus alunos e às suas alunas, nem interferir nas suas convicções e opções pessoais. Pois o que antes de tudo importa relevar é a seriedade do ensino e o rigor da pesquisa, e isto num espírito de respeito e de liberdade mútuos. Outro ponto que torna esta instituição especial é o fato de ela apresentar-se como uma faculdade de filosofia e, simultaneamente, como um espaço que oferece e incentiva o diálogo com as outras áreas do saber. Um exemplo disto tivemos em 2013 com o I Simpósio Nacional de Teologia Oriental, que atraiu interessados de várias partes do Brasil. Pense-se também nas Semanas de Filosofia – onde se abordam temas variados – e nos cursos de grego clássico e de extensão que promove esta faculdade.

Prof. Valmir: A este propósito, como o senhor considera o papel e a contribuição que pode ter a FASBAM no quadro geral do ensino que hoje se exige de toda instituição?

Prof. Rogério: Esta é, de fato, uma questão mais abrangente, na medida em que, hoje, toda instituição de ensino tem de levar em conta a repentina mudança que surgiu com os novos métodos de pesquisa e de leitura acarretados pela internet e pelos meios de comunicação a ela relacionados. Um impacto semelhante – guardadas evidentemente as devidas proporções – deve ter ocorrido por volta de 1450, quando Gutenberg começou a imprimir livros em Mogúncia, colocando-os assim à disposição de uma vasta gama de leitores. Esta foi uma invenção realmente nova: a de unir diferentes tipos de técnica – a manufatura do papel e da tinta, a metalurgia e a fusão dos caracteres móbeis – na impressão de belos e, ao mesmo tempo, manuseáveis exemplares. Esta nova técnica deveria mudar não somente o modo de se adquirir o conhecimento, mas também a perspectiva sobre o próprio conhecimento. Não se podem, pois, conceber os tempos modernos sem a invenção da prensa móvel e, consequentemente, sem a difusão da aprendizagem em massa. Já com relação aos tempos atuais, o grande desafio é, no meu entender, o de saber servir-se dos meios eficacíssimos da informática sem perder de vista o hábito da leitura, da assimilação de obras clássicas e, juntamente com isso, o aprofundamento da reflexão. Se isto será factível ou não, ainda é cedo para se ter uma resposta segura. Todavia, dada a rapidez com que as transformações se produzem, já se pode notar, em geral, uma hipertrofia no armazenamento de informações, uma prevalência da imagem e das mensagens codificadas e, por conseguinte, uma perda gradual da capacidade de memorizar, de refletir e, obviamente, de escrever.

Prof. Irineu: O Sr. poderia traçar brevemente o seu itinerário intelectual?

Prof. Rogério: Eu nasci na cidade de Crato, estado do Ceará, aos 9 de abril de 1953. Sou filho de José Rogério de Almeida e de Nair Miranda Rogério. Cursei a então chamada escola primária no Grupo Escolar Dom Quintino e os chamados ginasial e científico, até o segundo ano, no Colégio Estadual Wilson Gonçalves. Concluí o científico no Colégio Diocesano do Crato em 1973 e, logo em seguida, fui para o Rio de Janeiro, onde estudei o latim e o grego clássico. Em 1978, também no Rio, cursei um ano de filosofia na PUC. Em Campinas, igualmente na PUC, continuei meus estudos de filosofia, concluindo a licença em 1985. De 1986 a 1993, cursei teologia na Universidade de Estrasburgo, França, onde obtive os diplomas: bacharelado, licenciatura, mestrado, D. E. A. (Diplôme d’Études Approfondies), D. S. T. C. (Diplôme Supérieur de Théologie Catholique) e doutorado. Em 1997, doutorei-me em filosofia pela Universidade de Metz, França. De 1995 a 2003, lecionei teologia e filosofia no Saint Vincent College, Latrobe, Pensilvânia, Estados Unidos. Entre 1997 e 2007, lecionei filosofia no Pontifício Ateneo Santo Anselmo, Roma. Simultaneamente, entre 1999 e 2007, lecionei teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma. Em 2007, após a criação do programa de pós-graduação em filosofia na PUCPR, fui convidado para lecionar nesta universidade, onde atuo no mestrado e no doutorado. Aqui na FASBAM, eu leciono ética e história da filosofia antiga e medieval. No Studium Theologicum, Curitiba, leciono teologia sistemática.

Prof. Teodoro: Quais os filósofos com os quais o Sr. mais dialoga?

Prof. Rogério: Comecei a minha formação filosófica lendo Platão, Descartes, Kant, Rousseau, Sartre e Marx. Depois os meus interesses se voltaram para Schopenhauer, Nietzsche e a psicanálise e, mais particularmente, para Freud e Lacan. Santo Agostinho despertou a minha curiosidade pela coincidência de intuições que a sua obra revela com relação às descobertas da psicanálise: a questão da memória, do desejo, da linguagem e, em suma, do inconsciente. Continuo lendo e estudando Platão. Deleito-me igualmente com a fineza e a profundidade das análises de Kierkegaard, embora o tenha lido menos ultimamente.

Prof. Valmir: Das suas obras, qual delas o Sr. gostaria de destacar?

Prof. Rogério: Eu destacaria Eros e Tânatos: a vida, a morte, o desejo, conquanto Nietzsche e o paradoxo, meu primeiro livro, contenha intuições que eu ainda considero válidas. Na verdade, as primeiras intuições são aquelas que realmente contam na obra de um pensador. Dificilmente um autor operaria uma mudança radical, absoluta, na evolução de seu pensamento. Pode haver posteriormente novas leituras e novas reinterpretações, mas as primeiras intuições sempre retornam, sempre se repetem, embora de maneira diferente. É o que acontece, por exemplo, no meu último livro: A fragmentação da cultura e o fim do sujeito.

Prof. Irineu: O Sr. está trabalhando em alguma outra obra atualmente?

Prof. Rogério: Sim. Trata-se de um estudo sobre a questão da memória em Freud, Nietzsche, Santo Agostinho e Platão. Já desenvolvi algumas ideias a este respeito em artigos recentemente publicados. Mas o que faltava aprofundar era a problemática da recordação em Platão, que se dá sob uma dupla modalidade: a memória propriamente dita (mnéme) e a reminiscência (anámnesis), que reenvia ao mito ou, mais exatamente, a uma memória transpessoal, trans-histórica.

Prof. Teodoro: O Sr. falou mais acima que as primeiras ideias de um pensador estão sempre a retornar, embora de maneira diferente. É assim também que o Sr. concebe a filosofia em geral?

Prof. Rogério: Não somente a filosofia em geral, porquanto há no ser humano uma tendência radical, ontológica, e eu diria, pré-ontológica, a repetir as mesmas coisas, mas de maneira diferente. De resto, é assim que se manifesta o pensamento no seu desdobrar-se ou desenrolar-se historial: na repetição e na diferença. Neste sentido, falar de um pensamento absolutamente original seria um absurdo. Pois a originalidade de um pensador consiste justamente em repetir as mesmas ideias, as mesmas verdades, mas transformadas e transmudadas em novas verdades. Uma verdade se torna outra verdade ou – para dizê-lo nietzschianamente – um valor se torna outro valor na medida em que ele é dito, falado, denominado, designado, escrito, de maneira diferente.

Prof. Valmir: É neste sentido que a escrita ocupa na sua obra um lugar essencial, preponderante?

Prof. Rogério: Mais do que isso. A escrita representa para mim aquele espaço de resistência, que Lacan significa pelas noções de letra ou de real, e pelo qual o desejo não cessa de se desenrolar e, portanto, de se satisfazer e de se superar. É nesta perspectiva que eu afirmo que a ética de um autor é indissociável de sua maneira de escrever e, consequentemente, de designar, de simbolizar, de significar. O que está em jogo é, em última análise, a tensão do desejo na sua eterna e sempre recomeçada satisfação–insatisfação.

Prof. Irineu: Logo, é neste sentido que filosofia e literatura andam juntas?

Prof. Rogério: Exatamente! Para mim, filosofia, psicanálise e literatura caminham pari passu. E a estas três eu ajuntaria também a teologia. É nestas quatro esferas do conhecimento que se desdobram minhas interrogações. Interrogações que giram, na verdade, em torno do homem, do Homo, ou do Anthropos, no sentido grego do termo.

Prof. Teodoro: Que palavras, pois, o Sr. gostaria de dirigir a todos nós, e aos alunos em particular, neste início de ano acadêmico?

Prof. Rogério: Aquelas mesmas com que abrimos esta entrevista: muita esperança e muita dedicação à filosofia. Uma dedicação entremeada de entusiasmo, de prazer e de uma serena alegria. Aprender a saborear o saber é o segredo de todo filosofar. Ler muito, degustando, selecionando, ruminando e digerindo as palavras, ou o texto. Numa de suas epístolas, Plínio, o Moço, nos legou uma frase lapidar: “Multum legendum, sed non multa”. Em outros termos: ler muito, ler em profundidade, ler degustando, ler se demorando, mas não ler muitas coisas ao mesmo tempo. Pois a qualidade de um pensamento se deixa revelar – e intensificar – pelo hábito, e pela arte, de ler e de escrever.

 

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