“Quem vive como o Fariseu, vive longe da Igreja”.

(Estrofe das Matinas)

Antes do soldado ir para a batalha, ele passa por um longo período de treinamento militar para se preparar fisicamente e psicologicamente para o combate e para o capacitar a suportar os fardos e inconvenientes da vida militar.

Da mesma maneira, a santa Igreja, nossa boa Mãe, prepara-nos, como seus filhos, espiritualmente para as lutas que nós devemos enfrentas antes que ela imponha sobre nós o rigoroso Grande Jejum (Quaresma). Este é precisamente o objetivo dos quatro domingos que precedem o jejum e iniciam com o Domingo do Fariseu e do Publicano e terminam com o Domingo da Dispensa dos Laticínios. Nos serviços litúrgicos desses domingos, a santa Igreja coloca diante de nossos olhos diversas cenas bíblicas: o Publicano humilde e o Fariseu orgulhoso, a conversão do Filho Pródigo, a cena do Último Julgamento e a expulsão dos nossos Primeiros Pais do Paraíso. Estas cenas dramáticas tem o poder de nos mover para as profundezas; elas revelam a misericórdia e justiça de Deus, e nos convencem da necessidade de conversão e penitência para nossa salvação. Meditação sobre esses eventos deve evocar em nós uma séria atitude par ao jejum, convencendo-nos de sua necessidade e benefício como gradualmente nos prepara para o próprio Jejum.

Os domingos precedentes citados acima historicamente foram incorporados no nosso Calendário Eclesiástico nos últimos séculos; ele não era assim até quando o Grande Jejum assumiu sua presente forma. Os primeiros a serem adicionados antes do Grande Jejum foram os Domingos da Dispensa da Carne e dos Laticínios; apenas depois, entre os séculos VIII e IX, que o Domingo do Fariseu e do Publicano e o Domingo do Filho Pródigo foram inclusos.

A Parábola do Fariseu e do Publicano

Ensinando as pessoas, Jesus Cristo frequentemente usava parábolas. Estas são histórias que, em termos claros e simples, comunicavam uma moral, verdade ou virtude para o povo. Nós achamos muito fácil escutar uma parábola e entender e reter sua mensagem em nossa memória.

O Domingo do Fariseu e do Publicano recebeu seu nome da parábola do Fariseu e do Publicano, registrada no Evangelho de são Lucas[1]. Nesta parábola, Jesus Cristo nos dá dois contrastes: o Publicano humilde e o Fariseu orgulhoso. Usando esses dois tipos de pessoas, Ele ressalta a feiura do orgulho e a importância da humildade.

Durante a época de Jesus Cristo os fariseus constituíram uma seita religiosa que insistia sobre a rigorosa e legalista observância da Lei Mosaica e tradições. Eles estimaram a letra da lei mais altamente do que o espírito da lei. Sua justiça era baseada na observância externa da Lei e pequenos regulamentos em vez da prática das virtudes que a Lei prescrevia. Eles se consideravam como campeões e seguidores zelosos da Lei, eles se gabavam de seu falso zelo, e desprezavam aqueles que não pertenciam a sua seita. Jesus Cristo frequentemente os repreendeu por sua mesquinhez e dissimulação e exposição pública de sua hipocrisia. “Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés”. Ele disse: “portanto, fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis as suas ações, pois dizem, mas não fazem… Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque bloqueais o Reino dos Céus diante dos homens! Pois vós mesmos não entrais, nem deixais entrar os que querem fazê-lo!… Sepulcros caiados… Por fora pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade”[2].

A parábola retrata um típico fariseu. Embora ele venha ao tempo para rezar, ele honra, não a Deus, mas a si próprio. Ele não pede perdão a Deus por seus pecados. Pelo contrário, sendo certo de sua justiça, ele ainda agradece a Deus que ele não é um pecador. Ele se vangloria sobre seu jejum e do dízimo que ele dá para o templo de Deus, enquanto ao mesmo tempo, ele despreza o publicano como um grande pecador.

O publicano, consciente de sua própria pecaminosidade, não se atreve a levantar os olhos para os céus, mas reza humildemente e bate no peito, dizendo: “meu Deus, tem piedade de mim, pecador”[3]. Sua curta oração, cheia de arrependimento e humildade, permanece até hoje, o mais bonito e sincero ato de arrependimento por nossos pecados.

Jesus Cristo termina esta parábola com as palavras: “eu vos digo que este último desceu para casa justificado, o outro não. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”[4].

Os publicanos eram cobradores de impostos que coletavam os vários impostos durante a ocupação romana da Palestina. O governo romano tinha dois tipos de impostos: direto e indireto. Os impostos diretos eram sobre a propriedade e a renda, enquanto que os impostos indiretos eram taxas sobre compra e venda assim como sobre importação e exportação. Os impostos diretos eram coletados pelo governo romano, enquanto que os impostos indiretos eram leiloados para comerciantes ricos que coletavam essas receitas. Este sistema de coleta de impostos levou a todo tipo de extorsão e injustiça, para estes comerciantes ricos, chamados publicanos, tendo recebido o direito de coletas impostos do governo, exigiam-nos sem piedade. O que eles coletassem acima e além do que eles deveriam ao governo, eles pegavam para si como lucro pessoal. Pode-se ver facilmente por que eles eram odiados pelo povo. Não apenas eles eram pessoas odiadas e desprezadas que trabalhavam por sobrecarga externa, mas também eram considerados como judeus desertores que incorriam de impureza ritual por causa de terem contato com os pagãos. As pessoas os classificavam como ladrões, pecadores públicos e pagãos e os desprezavam. O seu testemunho não era aceito em uma corte de justiça porque, desde que eles tinham a reputação de homens desonestos, a palavra deles não poderia ser confiável.

O Significado Espiritual da Parábola

Esta parábola nos ensina claramente que Deus não olha para a pessoa ou sua posição na vida, mas para o coração e a alma da pessoa. Isso nos permite entender a verdade das palavras da Sagrada Escritura: “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes”[5]. É compreensível então por que Deus rejeitou a oração da cobiça e arrogância do fariseu, mas ouviu a oração do humilde publicano. Pelo fato do orgulho ser um dos pecados capitais, ele é o obstáculo para conversão e arrependimento, enquanto a humildade é o início de verdadeira conversão e o fundamento de sincero arrependimento e penitência.

Por esta razão, a santa Igreja deseja que nós também, à medida que nos aproximamos da Grande Quaresma, preparemo-nos para ela com grande humildade, consciência de nossos pecados, para somente então nós experimentaremos compunção de coração e possuiremos a coragem e a benevolência para realizar o jejum e a penitência. Sem humildade não há conversão, sem arrependimento pelo pecado, e sem retorno a Deus.

Este é o espírito em que nossos serviços litúrgicos e orações foram compostos para este domingo. Os tropários, estrofes e o cânon, repetidamente, enfatizam e louvam a virtude da humildade e repreendem o orgulho farisaico:

“Minha alma”, nós cantamos nas estrofes das Vésperas, “tendo visto a diferença entre o Fariseu e o Publicano, abominaram o tom desse alardeador, e imitaram a oração de verdadeira reverência, chorando: ‘Deus, purifica-me, um pecador, tenha misericórdia de mim’”.

“Fujamos da vanglória farisaica”, diz o contáquio deste dia, “e aprendamos com as palavras do publicano o valor da humildade, dizendo com espírito de penitência: ó Salvador do mundo, tende piedade de Vossos servos”.

Tropários Penitenciais – Símbolo de Humildade Verdadeira

No serviço do Fariseu e do Publicano nós encontramos três tropários que merece nossa atenção por causa de seu tom, que é orante, penitencial e cheio de humildade. A santa Igreja canta estes tropários durante o serviço das Matinas de todo domingo, iniciando com este domingo ate o quinto domingo da Quaresma. Estes tropários dão o tom não somente para os domingos pré-quaresmais, mas para toda Grande Quaresma. Os três tropários são os seguintes:

“Abram-se para mim as portas do arrependimento, Vivificante, para o meu espírito ir sem demora para o seu templo, com o templo do meu corpo todo devolvido; mas em sua compaixão, purifica-me pela bondade de sua misericórdia”.

“Conduza-me nos caminhos da salvação, Mãe de Deus, pois eu profanei a minha alma com pecados vergonhosos, e desperdicei minha vida na indolência. Mas por Suas intercessões, livra-me de todas as impurezas”.

“Quando eu penso nas muitas coisas más que eu fiz, miserável que eu sou, eu tremo no dia terrível do julgamento. Mas confiando na sua bondade, como Davi eu choro para você: Tenha piedade de mim, Deus, de acordo com a sua grande misericórdia”.

[1] Lc 18,10-14.

[2] Mt 23.

[3] Lc 18,13.

[4] Lc 18.

[5] 1Pe 5,5.

Fonte: KATRIY, OSBM, Yulian Yakiv. Conheça o seu rito: o ano litúrgico da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Trad. Marco Antônio Pensak, OSBM. Curitiba: Faculdade São Basílio Magno, 2021.