A Filosofia e seu entendimento sobre Multimídia, Crossmedia e Transmídia

Por: Prof. Dra. Ana Beatriz Dias Pinto

A Filosofia, ao longo dos séculos, tem se debruçado sobre a análise e a compreensão das diversas formas de comunicação e expressão humana. No contexto atual, no qual a tecnologia redefine constantemente os meios de transmitir informações, termos como multimídia, crossmedia e transmídia emergem como conceitos centrais para entender tal dinâmica. Cada um deles carrega nuances que a Filosofia pode ajudar a desvendar, permitindo uma reflexão mais profunda sobre suas implicações na sociedade contemporânea.

Multimídia: A Convergência de Múltiplos Meios sob a Ótica Filosófica

Em linhas gerais, a palavra multimídia tem origem no latim, sendo composta de duas outras palavras: multi, que significa múltiplos, e media, que significa meio ou centro. Desse modo, a palavra multimídia pode ser traduzida como “múltiplos meios”, referindo-se para tudo aquilo que utiliza-se de diversos meios simultaneamente para a transmissão de informações, sendo possível utilizar fotografias, sons, textos e vídeos. Comunicar-se desta forma possibilita uma facilidade maior na compreensão e aprendizagem, pois, assemelha-se com a comunicação humana. Portanto, o termo multimídia pode ser compreendido como sendo um meio, uma ferramenta tecnológica que utiliza-se de vários outros meios para comunicar, informar, ensinar algo. Estes meios podem ser imagens, textos, vídeos ou sons.

Embora o termo pareça ser mais antigo, o conceito de multimídia surgiu somente nos anos 1980. Júlio Plaza, ao problematizar a multimídia, destacava a sua capacidade de combinar colagens de imagens e outros elementos visuais, criando uma experiência sensorial que desafiasse a linearidade da comunicação tradicional. Tal circunstância pode ser interpretada filosoficamente como uma manifestação da multiplicidade e da interconexão entre diferentes formas de expressão. Afinal, a Filosofia enxerga nessa justaposição de meios uma representação do pensamento contemporâneo, que valoriza a diversidade e a complexidade das percepções.

Já Ramón Salaverría, por sua vez, foi quem categorizou a multimídia em justaposição e integração, oferecendo uma perspectiva para sua compreensão de maneira prática, o que ressoa com as discussões filosóficas sobre a relação entre parte e todo, unidade e multiplicidade. Enquanto a multimídia por justaposição preserva a independência dos elementos, a multimídia por integração busca uma harmonia que pode ser vista como uma metáfora da busca filosófica pela síntese do conhecimento.

Crossmedia: A Interação entre Mídias e o Diálogo Filosófico

A crossmídia, ou melhor dizendo, a crossmedia (ao contrário dos outros termos aqui explanados, esta palavra em inglês prevaleceu no Brasil) é um termo que ganhou força na década de 1990. É proveniente do inglês e, embora seja um tanto desconhecido, denota o ato de se levar, de se transmitir um conteúdo por mais de um meio, isto é, uma determinada informação é distribuída por meio de mídias diferentes visando chegar até os receptores de maneira “cruzada”.

Uma comunicação crossmedia pode ser interpretada, do ponto de vista filosófico, como uma extensão da dialética platônica, onde diferentes meios de comunicação dialogam entre si para construir um conhecimento mais abrangente. Essa abordagem incentiva a busca pela verdade através de múltiplas perspectivas, algo que a filosofia sempre considerou essencial para a compreensão plena de qualquer conceito.

De Haas apud Finger (2012, p.125), ao descrever a crossmedia como um processo em que a narrativa direciona o receptor de uma mídia para outra, toca em um ponto crucial do pensamento filosófico: a interdependência das ideias. Para ele, a crossmedia não apenas distribui conteúdo, mas também convida o público a uma jornada reflexiva, onde cada mídia oferece uma peça do quebra-cabeça, incentivando uma busca ativa pelo conhecimento.

Transmídia: A Participação Ativa e a Filosofia da Interatividade

Já a transmídia, que leva a comunicação a um novo patamar, pode ser vista como uma expressão do pensamento filosófico sobre a interatividade e a co-criação do conhecimento. Diferente da crossmedia, onde o conteúdo é complementado por diferentes meios, a transmídia envolve o público em uma experiência onde ele se torna parte ativa da construção da narrativa. Esse conceito remete à Filosofia existencialista, que valoriza a participação ativa do indivíduo na construção de sua realidade e na busca por sentido.

Para Finger, a transmídia representa uma integração profunda entre conteúdo e meios, com o objetivo de dar voz ao usuário, tornando-o central no processo de comunicação. Esse modelo reflete a filosofia contemporânea, que reconhece a importância da interatividade e da co-participação na criação do conhecimento e na formação da identidade.

Considerações para a atualidade

Sob a lente da filosofia, os conceitos de multimídia, crossmedia e transmídia revelam-se como expressões da complexidade e da interatividade na comunicação moderna. Ao examiná-los através do pensamento filosófico, percebemos como essas formas de comunicação dialogam com questões fundamentais da filosofia contemporânea, como a multiplicidade, a interatividade e a construção do conhecimento.

Como exemplo disso, podemos citar o filósofo francês Gilles Deleuze, em sua obra “Mil Platôs” (1980), que desenvolve o conceito de rizoma, que pode ser relacionado à ideia de multimídia. Deleuze descreve o rizoma como uma estrutura sem hierarquia fixa, composta por múltiplas entradas e caminhos que se entrecruzam. Essa noção é comparável à multimídia, onde diversos elementos – textos, imagens, sons – coexistem e se interconectam sem uma sequência linear, criando uma rede complexa de significados.

No que se refere à crossmedia, a obra “A Condição Pós-Moderna” (1979) de Jean-François Lyotard é particularmente relevante. Lyotard discute a fragmentação das grandes narrativas e a valorização das micronarrativas na sociedade contemporânea. Esse conceito pode ser aplicado ao de crossmedia, onde a narrativa é distribuída através de diferentes mídias, permitindo que cada meio ofereça uma perspectiva parcial, mas complementadora, da mensagem global. Essa abordagem reflete a noção pós-moderna de que o conhecimento é construído a partir de múltiplas fontes, cada uma contribuindo para uma compreensão mais rica e diversificada.

Por fim, a transmídia, que enfatiza a participação ativa e a co-criação do usuário, encontra eco no pensamento de Jürgen Habermas, especialmente em sua “Teoria da Ação Comunicativa” (1981). Na obra, Habermas argumenta que a comunicação ideal ocorre em um espaço onde todos os participantes têm a oportunidade de contribuir ativamente para a construção do significado. A transmídia, ao integrar diversas mídias e envolver o público de maneira participativa, materializa essa ideia, transformando o usuário em um co-autor da narrativa.

Portanto, ao relacionar os conceitos de multimídia, crossmedia e transmídia com as ideias ou mesmo conceitos de filósofos como Deleuze, Lyotard e Habermas, dentre tantos outros, podemos aprofundar nossa compreensão dessas formas de comunicação e de suas implicações na era digital. Esses conceitos não apenas esclarecem as diferenças entre essas três abordagens, mas também nos convidam a refletir sobre o papel da comunicação na construção do conhecimento, na interatividade e na formação da experiência humana na contemporaneidade, objetos de estudo cada vez mais pertinentes para a razão filosófica investigar.

REFERÊNCIAS

BARANAUSKAS, M. Cecília C.; OLIVEIRA, Osvaldo Luiz. Interface Entendida Como um Espaço de Comunicação. Campinas, SP: Unicamp, s.d. Disponível em: <www.unicamp.br/~ihc99/Ihc99/AtasIHC99/art7.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2024.

ELAIDE, Martins; LONGHI, Raquel. Transmídia, crossmídia e intermídia na grande reportagem multimídia: um estudo das estratégias narrativas na série Tudo Sobre, da Folha de S. Paulo. 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 2015. Disponível em: http://midiaonline.sites.ufsc.br/wp-content/uploads/2017/03/4676-10756-1-PB.pdf. Acesso em: 07 jul. 2024.

FINGER, Cristiane. Crossmedia e Transmedia: desafios do telejornalismo na era da convergência digital. Em Questão, Porto Alegre, v.18, n.2, 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/EmQuestao/article/view/23731/23671. Acesso em: 07 jul. 2024.

JOHNSON, Steven. A Cultura da Interface: Como o Computador Transforma Nossa Maneira de Criar e Comunicar. Tradução: Maria Luísa X. de A. Borges; Revisão Técnica: Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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