A Cultura da Interface na Comunicação Digital: um repensar humanístico-filosófico

O termo “interface” tem sido muito abordado ultimamente. Basicamente, ele descreve uma interseção ou ligação entre diferentes sistemas de computador que utiliza componentes de hardware e programas de software para permitir a troca e transmissão de informações digitais por meio de protocolos de comunicação. No entanto, uma interface também descreve a conexão entre humano e máquina, pela qual o usuário humano interage como um meio de operar e influenciar os componentes de software e hardware de um sistema digital.

E quando falamos de interação entre humano e máquina, à Filosofia cabe a realização de análises quanto a essas subjetividades e desafios que se impõem ao uso das tecnologias… O fato é que, com o avanço da técnica, a comunicação também se inova e evolui, algo ao qual estamos cada vez mais habituados. neste século XXI. E com isso, surgiu então uma nova era: a da cultura da interface.


A cultura da interface

Em linhas breves, a cultura da interface se refere à um modo de comunicação entre duas partes, pessoas ou máquinas, que não podem se conectar diretamente. Uma interface permite que os seres humanos se comuniquem com as tecnologias digitais, além de gerar, receber e trocar dados. Exemplos de interfaces amplamente utilizadas são a interface mouse-teclado e as interfaces gráficas de usuário (por exemplo, metáforas de uma área de trabalho).

Cada vez mais testemunhamos desenvolvimentos rápidos na direção de designs de interface mais intuitivos e perfeitos; os campos de pesquisa que surgiram incluem computação onipresente, ambientes inteligentes, interfaces de usuário tangíveis, interfaces auditivas e interações variadas. Este progresso foi proporcionado principalmente pela invenção do telefone, do rádio, da televisão, e do advento da internet e dos computadores e, como novidade, a questão da inteligência artificial (IA).

De acordo com McLuhan (1974), essa evolução mostra uma aldeia global, ou seja, um encurtamento das distâncias, recriando as situações sociais para haver o processo de uma aldeia. Pode-se questionar nas relações entre os seres humanos, por meio de uma máquina, se isso seria válido e realmente aproximaria as pessoas e até que ponto isso seria algo humanizador – questionamento filosófico plausível para a questão!



Repensando o ser humano

Ora, se um computador assume milhares de formas e representa milhares de objetos, ele é um “meio polimórfico fantástico que pode representar, em princípio, qualquer coisa do mundo” (BARANAUSKAS; OLIVEIRA, s/a, p. 2). Ao assistir televisão ou cinema, dizemos que assistimos os programas, os filmes, e não propriamente o aparelho. Da mesma forma, acontece com o computador: não é a máquina com a qual se comunica, mas alguém que está do outro lado, pois um software de interface é criado por alguém e, indiretamente, nos comunicamos com alguém, não havendo um diálogo próprio entre sujeito-máquina.

Nós somos sempre marcados pelos aparelhos, independentemente de como intencionamos utilizá-los ou presumimos empregá-los, independentemente do sistema político-econômico em que deles nos servimos. Eles pressupõem e ‘estabelecem’ sempre uma certa relação entre nós e os demais homens, entre nós e as coisas, entre as coisas e nós. Ou seja, cada aparelho já é sua utilização (MARCONDES FILHO, 2016, p. 57).

Por isso, Reynolds afirma que “Para encontrar na interface alguma referência de um outro ser humano, o usuário deve primeiro lidar com artefatos, um ‘livro de endereços’, e então, através destes artefatos, inferir a representação de uma pessoa” (REYNOLDS apud BARANAUSKAS; OLIVEIRA, s/a, p. 2). Assim, trata-se de um processo que não humaniza propriamente o ser humano, pois, para se comunicar com as pessoas, há primariamente uma interação com objetos impessoais e, com isso, não humanos.

Deste modo, pode-se entender que muitas vezes se perde o sentido da comunicação, por perder-se o rosto do outro, como pressupunha Emmanuel Lévinas. Ao perder o rosto do outro, pode-se conceber qualquer coisa desumanizadora. Por isso, os meios como redes sociais têm se tornado tão violentos e meios “eficazes” de agressão ao outro, do ponto de vista do agressor. Assim, consome-se imagens e não se participa eficazmente do que é o outro, da vida do outro. Portanto, a cultura de interface não é um processo tão humanizador.

Cabe a nós, sujeitos, humanizar esses meios, dado que eles fazem parte de nós, da nossa constituição, proporcionando um protagonismo do receptor da mensagem. O comunicador, a partir da interface, deve saber propor a mensagem de forma receptível, compreensiva e acessível àquele que a receberá. Os receptores “continuam livres e críticos. Podem até ser ignorantes, mas não deixam de ser inteligentes. Se no curto prazo aceitam o jogo e consomem maior volume de informação, no longo prazo passam a desvalorizar a comunicação” (VAN DAL, 2013, p. 8).

Para falar da cultura da interface na comunicação, não podemos deixar de citar o livro do pesquisador Steven Johnson (2001), intitulado “A Cultura da Interface”. Na obra, o autor retrata os avanços tecnológicos de sua época e os possíveis avanços futuros. Analisando o conteúdo do livro, vemos que ele estava certo em relação ao que a tecnologia desenvolveu até hoje. Johnson discute o desktop, as janelas que acessamos em nossos computadores e muitas vezes nem percebemos. Um ponto interessante é a analogia do papel do mouse e de seu cursor, associado como sendo nosso representante no mundo digital, uma extensão de nossas ações reais para o mundo digital. Johnson compara os usuários de computador com os de televisão, considerando a interação mais dinâmica dos primeiros, que podem acessar links e visualizar conteúdos de interesse, enquanto os segundos apenas passam de um canal para outro.



O consumo das interfaces

Outro aspecto interessante é mencionado por Ciro Marcondes Filho, a respeito do consumo de imagens e do que pode representar uma cultura de interface:

“O que nos marca e nos desmarca, o que nos forma e nos deforma não são apenas os objetos transmitidos pelos ‘meios’, mas os próprios meios, os próprios aparelhos: que não são apenas objetos de possíveis usos, mas já fixam, através de sua estrutura e de sua função firmemente determinadas, seu uso e, com isso, o estilo de nossa ocupação e nossas vidas, em resumo, de nós” (MARCONDES FILHO, 2016, p. 56-57).

No aspecto de interfaces, também vale a pena descrever que cada vez mais surgem agentes, como as assistentes virtuais, que possibilitam uma nova experiência de usuário em nossas tecnologias, como a Siri, no sistema iOS da Apple, ou a Alexa, projetada pela Amazon para servir como um sistema inteligente que acessa um banco de dados e, com grande velocidade, gera uma resposta efetiva ao usuário – dentre tantas outras tecnologias de inteligência artificial que têm se popularizado pelo mundo.

Certamente, hoje podemos ver de forma mais clara essa tecnologia, até dando nomes a elas. Na ideia de Steven Johnson, esses agentes trabalhariam no computador se adaptando à nossa rotina, trazendo conteúdos de nosso interesse. Quando analisamos o que Johnson escreveu, vemos que ele tinha razão. Quem de nós já não recebeu um anúncio de um produto que precisava antes mesmo de fazer uma pesquisa na web, ou de ter feito uma pesquisa superficial e, em poucos instantes, receber anúncios publicitários sobre um produto específico?

Por esse motivo, podemos considerar que a cultura da interface na comunicação digital é um fenômeno complexo que traz tanto avanços significativos quanto desafios importantes. A interface não apenas facilita a interação entre humanos e máquinas, mas também molda a forma como percebemos e nos relacionamos com o mundo digital. Embora ofereça inúmeras vantagens, como a acessibilidade e a eficiência na troca de informações, também levanta questões sobre a desumanização das relações e o impacto na comunicação interpessoal.

Cabe a nós, como usuários e criadores de tecnologia, buscar formas de humanizar essas interações e garantir que a comunicação digital contribua positivamente para nossas vidas. Isso inclui desenvolver interfaces que não apenas sejam intuitivas e eficientes, mas que também promovam a empatia e a compreensão entre as pessoas. Somente assim poderemos aproveitar plenamente os benefícios da era digital, sem perder de vista a importância das conexões humanas autênticas e significativas.


Referências

BARANAUSKAS, M. Cecília C.; OLIVEIRA, Osvaldo Luiz. Interface Entendida Como um Espaço de Comunicação. Campinas, SP: Unicamp. S/A. Disponível em: www.unicamp.br/~ihc99/Ihc99/AtasIHC99/art7.pdf. Acesso em: 07 mai. 2020.

JOHNSON, Steven. A Cultura da Interface: Como o Computador Transforma Nossa Maneira de Criar e Comunicar; tradução, Maria Luísa X. de A. Borges; revisão técnica, Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

MARCONDES FILHO, Ciro. Teorias da Comunicação, Hoje. São Paulo: Paulus, 2016.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1974.

VAN DAL, Jorge Luiz Garcia. Convergência de Mídias: O Receptor como Protagonista do Processo Comunicacional. São Paulo, SP: Faculdade Cásper Líbero, 9º Interprogramas de Mestrado em Comunicação, 2013. Disponível em: https://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2014/04/Jorge-Luiz-Garcia-Van-Dal.pdf. Acesso em: 07 mai. 2020.

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