O Conceito de Remediação e as Tecnologias Digitais na Comunicação ante a ótica filosófica

As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) representam um vasto conjunto de ferramentas tecnológicas que, por meio de programas, mídias, dispositivos, ambientes e redes, facilitam a comunicação entre indivíduos. O uso da internet, em particular, aprimora a comunicação e torna o acesso a informações, como notícias, materiais de estudo e receitas, mais fácil, promovendo uma busca autônoma pelo conhecimento.

O advento da tecnologia permite que a busca pelo conhecimento, anteriormente padronizada, seja utilizada para a evolução de sistemas e conhecimentos científicos. Dessa forma, a tecnologia se torna uma aplicação prática dos conhecimentos adquiridos durante a revolução científica iniciada na Idade Moderna.

Na vida cotidiana, o contato direto com o mundo natural sempre foi visto como uma maneira de adquirir conhecimento verdadeiro sobre as coisas. No entanto, com o avanço da era contemporânea, a mecanização do conhecimento e da comunicação resultou na produção de indivíduos menos reflexivos, ou seja, manipulados pela sociedade. Perde-se o senso comum, dando espaço para uma visão revolucionária onde o que antes era automático pela experiência de vida, hoje não é mais usado.

O desenvolvimento tecnológico trouxe conforto, precisão e melhorias. Atualmente, a civilização está intrinsecamente conectada às tecnologias, tornando quase impossível viver sem essa facilidade proporcionada. O conceito de remediação baseia-se na ideia de buscar soluções para problemas específicos. Da mesma forma, utilizamos a tecnologia como uma forma de mediação, encontrando caminhos mais fáceis para resolver problemas ou obter facilidades. A internet, como todas as tecnologias, oferece essa oportunidade de remediar, encurtar distâncias e facilitar a vida.

No entanto, a internet também altera a capacidade dos sistemas de comunicação de se organizar em torno de fluxos interativos, multimodais, assíncronos ou síncronos, globais ou locais, de muitos para muitos, de pessoa para pessoa, de pessoa para objeto e de objeto para objeto, especialmente no campo das relações sociais. Sem a internet, o desenvolvimento em larga escala das redes como mecanismo fundamental de estruturação social e mudança social em todos os domínios da vida não teria sido possível.

A World Wide Web e uma variedade de redes, cada vez mais baseadas em plataformas sem fio, formam a infraestrutura tecnológica da sociedade em rede, assim como a rede elétrica e o motor elétrico sustentavam a sociedade industrial. Como construção social, esse sistema tecnológico é aberto, refletindo uma sociedade em rede que transmite tanto o melhor quanto o pior da humanidade. A compreensão da lógica dessa sociedade, baseada na interação entre cultura, organização e tecnologia, é um campo de pesquisa fundamental no século XXI.

Cibercultura e Redes Digitais na Sociedade em Rede

Como discutido anteriormente, a década de 1990 foi marcada pela transformação digital, período em que as tecnologias digitais, especialmente a internet, foram amplamente adotadas para recepção e transmissão de elementos de comunicação. Poucas tecnologias na história rivalizam com a internet em termos de velocidade de adoção e impacto. A disseminação da internet foi comparada ao advento da imprensa, que aumentou a disponibilidade de informações e a reprodução de notícias globalmente. A internet não apenas transformou negócios e economia, mas também revolucionou a interação social e cultural.

A influência da internet gera reações diversas, do idealismo ao cinismo. Independentemente da opinião, é inegável que a internet trouxe mudanças dramáticas em áreas como interação interpessoal, cultura do trabalho, relação com o tempo, expectativas de velocidade e conveniência, e a forma como indivíduos e grupos se conectam e se comunicam.

Neste contexto, surgiu o termo “cibercultura”, referindo-se a produtos e práticas culturais nascidos das tecnologias de computador e internet, além de subculturas que defendem hobbies, arte e linguagens relacionadas a computadores. Na década de 1970, a cibercultura era dominada por especialistas em tecnologia. Com a comercialização da internet nos anos 90, a cibercultura ganhou novo impulso, levando a novas dinâmicas culturais e sociais.

O termo “ciberespaço”, cunhado por William Gibson em 1984, é definido por Pierre Lévy como o espaço de comunicação criado pela interconexão mundial dos computadores e suas memórias. Isso inclui todos os sistemas de comunicação eletrônicos que transmitem informações digitais ou destinadas à digitalização.

Conforme apontado por Thompson (2014), antes do comércio de notícias, as principais redes de comunicação incluíam a Igreja Católica, autoridades políticas, interessados em expansão comercial e os próprios comerciantes. O desenvolvimento de serviços postais e da imprensa no século XV impulsionou a comunicação, permitindo maior circulação de informações e contribuindo para o aumento da alfabetização.

Com o avanço da tecnologia, surgiu a cultura da interface, que é a comunicação entre duas partes, sejam pessoas ou máquinas que não podem se conectar diretamente. A invenção do telefone, rádio, televisão e, posteriormente, da internet e dos computadores, encurtou distâncias e recriou situações sociais, formando uma “aldeia global”, termo cunhado por McLuhan (1964).

A cibercultura quebra fronteiras físicas e sociais, mas também cria novas divisões, como a “divisão digital”, que preocupa ativistas sociais, formuladores de políticas e empresas. À medida que a cibercultura cresce, ela muda a dinâmica entre questões comerciais, sociais e éticas. O acesso crescente a informações pressiona empresas a considerarem questões sociais para evitar perder oportunidades de negócios.

O teletrabalho é um exemplo das mudanças trazidas pela cibercultura, permitindo flexibilidade e comodidade, mas também invadindo a vida pessoal dos trabalhadores. Empresas estabelecidas enfrentam desafios ao adotar o comércio eletrônico, que pode subverter tradições estabelecidas. A cultura interna das empresas também pode colidir com a interatividade promovida pela internet, obscurecendo a linha entre tempo de trabalho e tempo pessoal.

O anonimato na internet é uma característica crucial da cibercultura, permitindo que indivíduos criem identidades virtuais que podem diferir das suas personalidades reais. Isso pode ser positivo, oferecendo espaço para inclusão, ou negativo, promovendo comportamentos sociais inaceitáveis.

As divisões étnicas, religiosas, nacionais, sexuais e ideológicas provavelmente persistirão na era da cibercultura, formando uma nova camada no tecido social complexo.


Contribuições de Pierre Lévy

O filósofo Pierre Lévy, em seus estudos sobre cibercultura e ciberespaço, propõe que as tecnologias digitais e a internet transformam a maneira como a humanidade interage e organiza o conhecimento. Ele vê a internet como um espaço aberto e interconectado que potencializa a inteligência coletiva, onde o conhecimento é compartilhado e ampliado de forma colaborativa. Essa visão destaca a importância das redes digitais na promoção de uma nova forma de cultura e organização social, marcada pela interatividade e pela descentralização do conhecimento.

Lévy argumenta que a cibercultura permite uma democratização do saber, onde cada indivíduo contribui para a construção coletiva do conhecimento. Ele também ressalta a natureza inclusiva do ciberespaço, que, idealmente, quebra barreiras sociais e culturais, promovendo uma maior integração entre pessoas de diferentes origens e contextos. No entanto, ele reconhece os desafios, como a divisão digital e os impactos negativos do anonimato online.

A partir do conceito de Lévy, podemos entender a remediação como um processo pelo qual as tecnologias digitais revisitam, adaptam e melhoram práticas comunicativas e sociais anteriores, criando novas oportunidades e desafios para a sociedade em rede. Assim, a tecnologia não apenas facilita a comunicação, mas também redefine as relações sociais, culturais e econômicas, enfatizando a interconexão global e a colaboração coletiva como pilares da sociedade contemporânea.

Nesse sentido, cabe à Filosofia contemporânea examinar criticamente esses fenômenos, refletindo sobre as implicações éticas, sociais e epistemológicas das tecnologias digitais e da cibercultura. A Filosofia deve questionar como essas tecnologias afetam a natureza humana, a autonomia individual e a estrutura social, promovendo um entendimento mais profundo dos benefícios e desafios inerentes à era digital. Por meio dessa análise, a Filosofia pode contribuir para um uso mais consciente e responsável das tecnologias digitais, garantindo que elas sejam usadas para promover o bem-estar coletivo e a justiça social.

Por Ana Beatriz Dias Pinto, professora de Comunicação na FASBAM.

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