Críticas de Bacon a Aristóteles e aos sofistas

“No plano de sua [de Bacon] sustentação filosófica, duas premissas são postas: a do racionalismo, como afirmação radical da autonomia e do poder da razão humana como único instrumento do saber verdadeiro, e a do naturalismo, como afirmação de que a natureza esgota a realidade, devendo conter em si mesma sua própria explicação”. (SEVERINO, 2006, p. 52). Bacon é um empirista, o que significa dizer que suas considerações filosóficas partem da premissa de que o conhecimento provém da experiência sensível. Em outras palavras, para ele a realidade é natural e o que podemos conhecer vem por meio dos sentidos, que captam as informações que são processadas pela razão.

Em Bacon encontramos a tentativa de sobrepor o método dialético escolástico, sobretudo por este angariar para si a discussão sobre a transcendentalidade e alienar-se do mundo real em sua ausência de provas científicas no sentido moderno do termo. Conquanto, Aristóteles também não lhe é isento de críticas. Para Bacon, no pensamento do estagirita há alguns problemas fundamentais que descredibilizam suas teorias e o torna um falso empírico. Em outros termos, Aristóteles mistura suas constatações experimentais com a dialética grega. A todo tempo o filósofo firma sua postura contra a dialética grega que, segundo ele, é tendenciosa, já que promove o debate sobre coisas além das realidades sensitivas e não permitem o verdadeiro conhecimento das coisas. Encontramos isso em uma das subdivisões que propõe ao escrever sobre os idola theatri, tratando essa sistematização do estagirita como um verdadeiro problema para se alcançar o conhecimento puro, já que para tanto deveria a razão abster-se de um relacionamento com a arte da articulação lógica das palavras.

Um segundo problema importante para Bacon é de que “Aristóteles estabelecia antes as conclusões, não consultava devidamente a experiência para estabelecimento de suas resoluções e axiomas. E, tendo ao seu arbítrio, assim decidido, submetia a experiência como a uma escrava para conformá-las às suas opiniões”. (BACON, 1999, §63). O que é apontado como condenável em Aristóteles é sua inversão de método, dando a precedência das suas pré-conclusões sobre as constatações experimentais. Isso o faz considerar pior que os escolásticos, já que seu infecundo método tirou da experiência o merecido lugar como fonte da empiria – forma de saber a partir de resultados de experiências sensíveis e dados recorrentes e acumulados, tendo em vista a utilidade do método. É como resposta que o inglês fundamentará seu método na indução experimental que conjuga a experiência e a razão e desconsidera o princípio da autoridade.

No Novum Organum o autor se opõe ao Organum Aristotélico em vários de seus aforismos, mas também se dá o direito de tecer severas críticas também aos sofistas, dando-lhes um espaço junto ainda da conceituação dos idola theatri. Como é sabido, nessa classificação de sofistas – cuja tradução do termo associa-se ao de sábio – se encontram aqueles filósofos que ensinavam a retórica filosófica e cobravam por essas aulas. São na história grega como professores de argumentação filosófica, que tinham sempre como objetivo a vitória em um debate. Para tanto, tais filósofos desenvolveram a compreensão de que a verdade é subjetiva e, portanto, é útil ao homem. Em outras palavras, a verdade é utilitária; só é considerado verdadeiro aquilo que possui uma utilidade para o anthropos – isto é, para a humanidade.

Bacon diz que, àqueles considerados a parte desse movimento dos sentidos como fonte do conhecimento – como Platão, Zenão, Epicuro, etc. – também se deve atribuir a mesma classificação. Em suas palavras: “[…] ambos os gêneros, apesar das demais disparidades, eram professorais e favoreciam as disputas, e dessa forma facilitavam e defendiam seitas e heresias filosóficas, e as suas doutrinas eram ‘palavras de velhos ociosos a jovens ignorantes’ [de Diógenes Laércio, sobre Platão]” (BACON, 1999, §71). Em síntese, ambos eram considerados semelhantes na medida em que eram professorais, isto é, retóricos, e de certa forma também compartilhavam da utilidade dessas discussões para si – ainda que os sofistas fiquem com a fama.

Em Bacon, uma leitura ainda que breve de alguns de seus aforismos se torna ocasião para perceber em suas críticas alguns equívocos, talvez frívolos comparados à sua obra, mas que são marcas indicativas de uma importante filosofia: os aspectos contraditórios. Como vimos, o filósofo critica o estagirita por submeter suas experiências à lógica da dialética e por valer-se do princípio da autoridade, como que preterindo a experiência e tratando-a como auxiliar. Dada a distância cronológica entre os dois, haveria da parte de Bacon uma incompreensão da realidade de Aristóteles ao criticar sua dificuldade em realizar experiências com um número significativo de amostras? E ainda, estaria Bacon realmente criticando a dialética aristotélica atrelada ao seu empirismo ou somente à ordem utilizada, uma vez que também se vale da arte da articulação das palavras para documentar seus resultados e, dessa forma convencer?

No que diz respeito ao utilitarismo, Bacon rechaça a verdade utilitária dos sofistas afirmando que tudo se tratava de uma cultuação à subjetividade como a fonte de um conhecimento verdadeiro que não passava de vitória em um debate público, o que, se assim o for, nos leva a admitir que não há como se alcançar uma verdade uníssona que esteja subjacente à realidade. Todavia nos é importante pensar na perspectiva de Bacon que coloca o método científico – que para ele é a fonte da verdade – como útil ao homem, na medida em que lhe permite dominar essas engrenagens naturais. Não estaria Bacon inaugurando uma nova forma sofística de uma verdade utilitária? Em outras palavras, poderia no fulcro dessa nova metodologia ter surgido um novo ídolo que trouxesse ao homem poder e, consequentemente, a paz? No horizonte dessas contradições, porém, ainda reconhecemos a iniciativa e a transformação que Bacon trouxe à sua época.

Referências

BACON. Novum organum. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores)

SEVERINO, A. J. Bacon: a ciência como conhecimento e domínio da natureza. In: CARVALHO, I. C. M.; GRÜN, M.; TRAJBER, R. (org.). Pensar o ambiente: bases filosófica para a educação ambiental. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 51-61.

Autor: Leonardo Pablo Origuela Santos, estudante do curso de Filosofia da FASBAM e seminarista da Ordem de Santo Agostinho.

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